segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Japão: Os Riscos de Fukoshima


No dia 7 de setembro de 2013, o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe disse o seguinte na sessão nº 125 do Comitê Olímpico Internacional: “Pode ser que alguns tenham suspeitas no que diz respeito a Fukushima. Deixem-me assegurar-lhes que a situação está sob controle. Nunca houve nem jamais haverá qualquer dano a Tóquio”.

Os porta-vozes do governo japonês defendem a afirmação de Abe, dizendo que os níveis de radiação no oceano Pacífico ainda não ultrapassaram os limites das normas de segurança.

Isto faz lembrar a história do homem que saltou de um edifício de dez andares e, à medida que ia passando por cada andar, dizia: “Até aqui, tudo bem”.

Trata-se, recordem, do Oceano Pacífico – o maior depósito de água na Terra e, até onde sabemos, do universo. A empresa Tokyo Electric Power (TEPCO) verteu para o mar água do seu reator de Fukushima durante dois anos e meio e, até agora, o oceano Pacífico foi capaz de diluí-la sem superar os limites de segurança. Até aqui, tudo bem. Mas não há nenhuma perspetiva à vista de que a torneira vá ser fechada.

Há oito coisas que deveriam saber:

1. Numa zona verde residencial de Tóquio, a 230 quilômetros de Fukushima, descobriu-se que a terra tinha um nível de radiação de 92.335 bécquerels por metro quadrado. Esse é um nível perigoso, comparável ao que se encontrou ao redor de Chernobyl (o marco de uma catástrofe nuclear em 1986). A razão pela qual na capital se descobre tal nível de contaminação é que entre Tóquio e Fukushima não há montanhas suficientemente altas para bloquear as nuvens radioativas. Na capital, as pessoas que entendem o perigo recusam-se radicalmente a comer produtos provenientes da zona Leste do Japão.

2. No interior dos reatores nucleares Daiichi de Fukushima 1 e 3 as canalizações (pelas quais circulava a água fria) romperam-se, o que causou uma fusão. Isto significa que o combustível nuclear superaqueceu, derreteu-se e continuou a derreter qualquer coisa que aparecesse no caminho. Daí continuou para o fundo do reator e depois para o próprio solo do edifício, onde se afundou solo abaixo. Como se disse mais acima, durante dois anos e meio, os trabalhadores da TEPCO lançaram desesperadamente água no reator, mas não se sabe se a água está realmente atingindo o combustível derretido. Se houvesse um terremoto de força média, seria suficiente para destruir totalmente o já combalido edifício. De fato, nos últimos dois anos e meio os terremotos têm continuado a abalar Fukushima. (como dado adicional, precisamente enquanto esta carta era escrita, Fukushima foi castigada por outro terremoto de força média, ainda que no entanto pareça que o edifício resistiu uma vez mais. Até aqui, tudo bem). Está em estado especialmente perigoso o reator 4, no qual, numa piscina, se conserva uma grande quantidade de combustível nuclear, o que pode provocar outro desastre, dadas as circunstâncias.

3. No Japão, considera-se que o maior problema é a água fria que foi lançada sobre o reator. Os jornais e as cadeias de televisão que antes se tinham esforçado por esconder os perigos da energia nuclear, agora informam sobre eles todos os dias, e criticam Shinzo Abe pela mentira que contou ao COI. A questão é que a água altamente radioativa está se infiltrando e misturando-se com a água do subsolo, uma goteira que não se pode parar, o que significa que está escorrendo para o oceano. É uma situação impossível de controlar. Em agosto de 2013 (um mês antes do discurso de Abe ao COI) no interior do lugar onde se encontra o reator Daiichi de Fukushima, a radiação medida atingiu os 8.500 micro Sieverts por hora. Suficiente para matar qualquer um que ficasse ali durante um mês. O que torna muito difícil que os trabalhadores possam fazer alguma coisa. Em Ohkuma-machi, a cidade onde se encontra o reator nuclear Daiichi, a radiação, em julho do 2013 – dois meses antes do discurso de Abe –, chegou, segundo as medições, aos 320 micro Sieverts por hora. Este nível de radiação mataria uma pessoa em dois anos e meio. Daí que, numa área de vários quilômetros à volta, esteja a aumentar o número de cidades fantasma.

4. Por causa dos jogos olímpicos de Tóquio de 2020, deixou-se de lado um facto crucial nos relatórios para o exterior. Só se informa que a água radioativa continua a escorrer pela superfície do solo em redor do reator. No entanto, a água do subsolo também está recebendo radiação, e essa água flui para o mar e mistura-se com a água marinha através das correntes subterrâneas. É demasiado tarde para impedi-lo.

5. Se for ao mercado central de peixe perto de Tóquio e medir a radiação no ar, registará cerca de 0,05 micro Sieverts – um pouco mais do nível normal. Mas se medir a radiação perto do lugar onde se situa o instrumento que mede a radiação do peixe, o nível é duas ou três vezes maior (segundo as medições em 2013). As verduras e o peixe que provém da zona de Tóquio, mesmo as que receberam radiação, não são jogados fora. A razão é o nível de tolerância à radiação na comida estabelecido pelo governo japonês – que, caso seja superado, não pode ser posta à venda – é o mesmo que o nível tolerado nos lixos de baixa radiação. É o mesmo que dizer que no Japão, hoje em dia, ao estar contaminado o país na sua totalidade, a única opção que resta é servir à mesa lixo radioativo. A distribuição da comida radioativa também se torna um problema. A comida proveniente da zona de Fukushima era enviada para outro município e, então, voltava a ser enviada, reetiquetada, como se tivesse sido produzida nesse segundo município. Um caso concreto: a comida distribuída pelas maiores empresas alimentares, bem como a que é servida nos restaurantes caros, não passa quase nunca por um teste de radiação.

6. No Japão, a única radiação provinda dos reatores nucleares Daiichi de Fukushima que se mede é o césio radioativo. Não obstante, grandes quantidades de estrôncio 90 e de trítio estão espalhando-se por todo o Japão. A radiação do estrôncio e do trítio consiste em raios beta, e são muito difíceis de medir. Mas ambos são extremamente perigosos: o estrôncio pode causar leucemia e o trítio pode produzir desordens cromossómicas.

7. Mais perigoso ainda: dizem que para se livrar da contaminação que invadiu a vasta zona do Leste do Japão, estão raspando a camada superior da terra e a armazenando em sacos plásticos, como se fosse lixo. Grandes montanhas destes sacos plásticos, todos expostos às inclemências climáticas, amontoam-se em campos do Leste do Japão, expostas ao ataque de chuvas torrenciais e de tufões. O plástico pode rasgar-se e o seu conteúdo espalhar-se. Quando isso ocorrer, não haverá qualquer outro lugar onde os levar.

8. Dia 21 de setembro de 2013 (de novo, enquanto escrevia esta carta) o jornal Tokyo Shimbum informou que o governador de Tóquio, Naoki Inose, disse numa conferência de imprensa que o que Abe comunicou ao COI foi a sua intenção de pôr a situação sob controle.

“Não está – disse Inose – “sob controle neste momento.”.

É uma triste história, mas esta é a situação atual do Japão e de Tóquio. Eu amava a comida japonesa e esta terra, até o acidente de Fukushima. Mas agora…

Os meus melhores desejos para a sua saúde e uma longa vida.

Takashi Hirose é o autor de “The Fukushima Meltdown: The World’s First Earthquake-Tsunami-Nuclear Disaster” (2011)
Publicado originalmente em Counterpunch
Tradução para castelhano de Betsabé García Álvarez, publicada em Sin Permiso
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net


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