quinta-feira, 31 de março de 2011

Os caminhos do pescado


O Canal Rural Na Estrada mostra os caminhos e o transporte do pescado no Brasil. A equipe esteve em Minas Gerais, onde peixe chega congelado, acompanhou as indas e vindas do produto pela costa brasileira e os problemas em um dos principais polos de pesca artesanal do país. O programa termina na Bahia, com uma deliciosa moqueca feita com peixe do litoral catarinense.

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Minas Gerais

A equipe começa o trabalho na rua Bonfim, em Belo Horizonte (MG). A terra do leite, do queijo e do café também é um dos pontos principais de comércio de peixe no Estado.

Minas Gerais não tem praia, mas mesmo assim se come bastante peixe no Estado. A equipe está em uma das ruas com o maior número de peixarias de Belo Horizonte.

O caminhoneiro Adriano Gonçalves de Oliveira traz o peixe de Santarém, no Pará.

- São dois dias e duas noites de água, descendo pela balsa, de Santarém para Belém do Pará. Aí espera a maré, fico parado 12 horas. Depois são mais três dias e três noites rodando. É uma viagem longa e cansativa. É muito quente, difícil para segurar o frio da carga. O peixe é uma carga muito delicada, muito sensível.

Do outro lado da rua, tem outro caminhão de peixe chegando.

Vamos lá dar uma olhada de onde vem esse outro caminhão que está descarregando na rua Bonfim em Belo Horizonte.

– Estamos vindo de Piçarras,em Santa Catarina. É bem longinho. Viemos até São Paulo, depois Rio de Janeiro e agora aqui – explica o motorista Daniel Pereira.

Na peixaria é confirmado que o produto consumido na capital mineira chega de várias partes do país.

– 90% é congelado e 10%, fresco. Isso é em função da logística. O peixe fresco dura dois dias. Mais que isso ele não aguenta. Ele fica no barco, vai para a Central de Abastecimento (Cease), depois a gente busca lá O peixe fresco atrai mais. É mais bonito. Mas ele não aguenta – explica o dono do estabelecimento, Lúcio Castro Rodrigues.

Em muitos casos, o peixe chega em embalagens maiores. As funcionárias precisam colocar em sacos plásticos, que vão para o freezer, esperar pelo comprador.

– O peixe que vem de Santa Catarina sempre vem congelado, nunca vem inteiro. Ele vem pronto, congelado e empacotado.

Santa Catarina

O peixe encontrado em Belo Horizonte vem de Itajaí (SC), o principal polo de pesca industrial e de beneficiamento de pescado do Brasil. As fábricas desta região processam 220 mil toneladas por ano.

Nesta unidade são 900 toneladas por mês. Os peixes passam por um processo de limpeza, corte e seleção. Eles são preparados para o congelamento. Depois de passar por uma máquina de resfriamento rápido, o produto é colocado em embalagens. Dentro de uma câmara fica estocado o produto pronto, já esperando para ser carregado nos caminhões. A temperatura câmara é de cerca de -20ºC.

No pátio estão os caminhões que levam o peixe para todos os cantos do Brasil.

- As fábricas de processamento estão aqui. Existe este custo enorme de transportar para todo o país. O custo no Brasil hoje é muito alto. Desafio que a gente tem com o governo federal é baixar estes custos, para aumentar o consumo e expandir realmente na aquicultura e piscicultura para a mesa do consumidor – diz o vice-presidente do Sindicato da Indústria de Pesca de Santa Catarina, Giovani Monteiro.

O representante dos donos de embarcações e das indústrias revela que muitas vezes os barcos precisam viajar milhares de quilômetros pela costa para encontrar os melhores cardumes.

- Dependendo da época, a sardinha está em outra parte da costa. Os cardumes estavam no Rio e nossas embarcações foram para lá, ao invés de uma embarcação trazer o pescado para cá. O caminhão é bem mais rápido e mais barato.

Rio de Janeiro

A equipe cruzou a Baia de Guanabara, pela sexta maior ponte do mundo, em direção a Niterói.

No terminal pesqueiro em Niterói, no Rio de Janeiro, um barco de Itajaí (SC) está descarregando peixe. Apesar de o barco ser catarinense, não vale a pena voltar com o produto para o porto de origem. Por isso, os peixes são vendidos aqui mesmo. Quem recebe a equipe é o dono do barco, o catarinense Mailton de Souza.

– Estamos descarregando aqui no Rio devido à distância. A pescaria é próxima e o mercado aqui é melhor que em Santa Catarina.

Faz 27 anos que Mailton de Souza trabalha no mar. Ele e outros três homens da equipe costumam passar muito tempo longe de casa.

– Como estamos fora da nossa região, ficamos de dois a três meses fora. Aí a gente para o barco e segue viagem, para o pessoal ir visitar a família. E no mar a gente fica entre 15 a 18 dias. A família reclama um pouco da saudade – diz um dos pescadores.

A equipe do Canal Rural na Estrada vai conhecer como é a vida dentro de um barco de pesca.

– A gente come pouco peixe durante a viagem. Preferimos comer carne. O pessoal convive tanto com o peixe que não tem vontade de comer – diz um dos pescadores. É ele quem apresenta o barco para a equipe.

- Na parte de baixo do barco, temos espaço para 12 mil litros de óleo. São sete mil litros de água e o resto é onde a gente coloca o gelo e o peixe.

A ponte de comando nunca fica vazia. Os tripulantes se revezam em turnos de quatro horas.

- Na época da pesca, o barco fica funcionando 24 horas. Em todo o momento do dia tem alguém. Temos 27 anos de mar e pelo GPS a gente sabe as posições dos cardumes.

Quem compra o peixe é Paulo Renato Andrade. Além de administrar o ponto de recebimento, ele também é dono de embarcações. Ele faz os cálculos e explica porque às vezes o peixe chega muito caro à mesa do consumidor.

- Com certeza o que encarece o peixe é o óleo diesel. É o vilão de tudo. Você tem que correr atrás do peixe. Você gasta para correr atrás do peixe. Às vezes meus barcos ficam 10 a 15 dias com o motor trabalhando, atrás do peixe – explica.

– Um barco de arrasto desses gasta num mês 15 mil litros de óleo diesel. Aí você junta o gelo, a comida do pescador, toda a parte do INSS. Isso tudo explica o preço do peixe.

Em outro ponto da orla de Niterói encontramos um cais público, onde atracam outros barcos pesqueiros. Aqui a situação é bem mais precária. O assessor técnico do Sindicato de Armadores de Pesca do Rio de Janeiro, Flávio Leme, calcula que a pesca seja responsável por 60 mil empregos diretos no Estado. Mesmo assim, falta infraestrutura logística para o setor.

– Temos uma falta de infraestrutura em termos de descarga e comercialização do pescado. O pescador é obrigado a trazer seu barco aqui, contratar um caminhão para recolher seu peixe e levar para a Ceasa. Isso, além de encarecer, provoca uma perda na qualidade do pescado – explica o comandante Leme, como é conhecido por todos.

A descarga de peixe é pulverizada em vários pontos da costa fluminense, o que prejudica as estatísticas oficiais. Mesmo assim, o comandante Leme estima que o Rio de Janeiro seja o terceiro maior produtor de pescado do país.

– Na costa fluminense, nós não temos terminais legalizados de pesca, que tenham toda a infraestrutura, inclusive com inspeção federal.

– Aquela descarga de gelo que está acontecendo, não é a ideal. O ideal seria haver uma indústria de gelo aqui ao lado de onde ancoram os barcos. Toda infraestrutura que precisamos deve prever o abastecimento da embarcação. Além da descarga, precisaríamos ter uma fábrica de gelo, que é um insumo fundamental para a produção do pescado. Esse sistema além de ser improvisado, encarece. É contratado um caminhão. Isso encarece de 20% a 30% no produto, que poderia ser obtido com uma fábrica de gelo nessa situação – diz Leme.

– Um dos problemas que o pessoal enfrenta por aqui é justamente essa situação, em que a descarga, o transporte, o manuseio do peixe é feito a céu aberto. Para se ter uma ideia, olha só a quantidade de pássaros que são atraídos aqui para o local, justamente porque esse entreposto deveria ficar em um local fechado. Mas as condições não são favoráveis para o transporte e operação do peixe em Niterói.

Depois que o produto sai do barco, uma boa parte dele vai para o mercado de São Pedro, um dos mais tradicionais do Estado do Rio de Janeiro, que fica no centro de Niterói e é especializado na venda de peixe.

Os corredores são movimentados. Com tanta opção para os clientes, os vendedores precisam encontrar um jeito de chamar a atenção.

Na peixaria de Antônio Mannarino, tem peixe da região e de todas as partes do Brasil.

– Congrio, namorado. Tem também curvina, viola, pescado. O peixe do sul vem de caminhão. Os barcos são descarregados em Niterói mesmo. Do Norte e do Nordeste vem o camarão. Mandamos buscar na Bahia, de caminhão. E aí vai R$2,00 ou R$ 3,00 de despesas por cada quilo. Muito pouco que viaja pouco.


BAHIA

A equipe do Canal Rural Na Estrada está agora em Alcobaça, um dos principais polos de pesca artesanal da Bahia. A intenção é mostrar as dificuldades de infraestrutura que o pessoal enfrenta.

O presidente da Colônia de Pescadores da cidade, Ricarte Medeiros, aponta para os problemas: a riqueza destas águas não se reflete nos equipamentos disponíveis.

– É uma estrutura precária. A dificuldade do pescador em transportar seu peixe, em entregar nos locais, nos frigoríficos. São trapiches mal feitos. O pescador faz o possível para trazer um bom peixe, mas nessa transportação o peixe já perde um pouco do seu valor.

– A importância da pescaria aqui na região é de quase 100%. Quem não tiver o peixe para entregar, não sobrevive. Ou é funcionário público, ou é pescador – diz Medeiros.

A estrutura de comercialização é simples e tem pouca organização. Quem conta é o pescador Máximo Carlos Rosa, conhecido por aqui como Cicinho.

– O peixe chega e já vamos negociar a venda. Negociamos com os frigoríficos aqui da cidade. Aí vai e descarrega. Depois ele vai decidir o destino, para onde vai.

– Temos uma época de maio, junho e julho em que o preço é péssimo. Baixa mesmo, mas as despesas não baixam. A maior despesa é com barcos, em torno de R$ 20 mil. É que tem que levar esse material. Um barco não pode ir com menos de três mil litros de óleo. Tem que levar mantimento, isca, materiais que são caros. Anzol linhas também são caros – diz Cicinho.

Bem perto dali, a equipe flagra os problemas causados pela falta de uma estrutura adequada. Um barco está descarregando peixe. A retirada é manual, com ajuda de cordas. O produto é despejado em uma esteira, no cais. Um peixe da espécie meca, com dezenas de quilos, dá trabalho para os pescadores.

A equipe também foi conhecer um dos pequenos frigoríficos da cidade. São empresas onde o produto passa apenas por um resfriamento e de onde precisa sair em poucas horas, para não perder qualidade.

– O peixe é descarrega, lavado, encaixotado e resfriado. Ele só sai se estiver resfriado. Não temos indústria para fazer o beneficiamento. Nossa região é carente nessa modalidade – explica o proprietário do frigorífico, Bernardo Olívio.

– Mandamos para Vitória, Rio de Janeiro, Salvador e demais cidades da região. Estão faltando investimentos para melhorar a logística do peixe congelado. O fresco tem uma logística muito boa, temos mercados fortes como Vitória e Rio de Janeiro.

A idade da frota de pequenos barcos também preocupa.

– São sucatas. Devido à falta de investimento na pesca, o pescador fica de oito a 10 anos com o barco, sem poder fazer reforma. Quando faz, já muda a estrutura e não é mais a mesma coisa. Tem motores que já foram reformados quatro ou cinco vezes. E velocidade é importante para pescar bem, principalmente o camarão – confirma o presidente da Colônia de Pescadores de Alcobaça, Ricarte Medeiros.

- É preciso que haja uma forma de financiamento que permita ao pescador estar sempre com seu barco em dia, novo, legalizado, para que ele possa trabalhar e produzir melhor, com mais tranquilidade. Se você vai para o mar com a tábua podre, você até vai, mas não vai tranquilo. Pode quebrar e ir para o fundo. E aí tem que sair nadando. Se ele aguentar nadar – completa.

A equipe conseguiu pegar carona em um desses barcos de pesca artesanal, que está chegando do mar, trazendo o peixe.

– Saímos às 4h da manhã para o mar. Daí deu problema e estamos retornando. Às vezes ficamos três ou quatro dias no mar – diz o pescador Arilson Dionísio.

– A gente joga a rede, joga a âncora e fica esperando. Dá o tempo de uma hora e começa a recolher. Recolhendo e jogando. Não tem muito como selecionar o cardume na rede. O que vier, a gente pega. Cada um tem um preço, a gente seleciona.

– O mais comum são os barcos pescarem perto da costa. Até quatro ou cinco milhas distante da praia. A maioria dos barcos são pequenos, de oito a nove metros – explica o mestre do barco, Valmir da Silva.

Ele faz a manobra e se aproxima do cais. Da embarcação já é possível avistar o caminhão do Na Estrada caminhão estacionado. É preciso continuar a viagem!

A equipe está agora em Ilhéus, cidade histórica baiana e com uma localização privilegiada. Ela está bem no meio do litoral brasileiro, na rota de passagem da maioria dos barcos de pesca. Além disso, as formações geológicas permitem uma pescaria abundante a poucos quilômetros da costa.

O presidente da Bahia Pesca, uma empresa pública que trabalha para organizar o setor, Isaac Albagli foi conversar com a equipe:

– A situação da logística do pescado na região é uma logística sem lógica. Hoje nós não temos uma situação que nos dê conforto. O peixe é baiano, mas não tira carteira de identidade na Bahia. Na medida que ele é descarregado no Espírito Santo, no Rio de Janeiro e em Santa Catarina, ele não entra na estatística da Bahia.

– Peixes de qualidade são pescados aqui e vão para o sul do país para serem beneficiados no Espírito Santo e no Rio, às vezes em Santa Catarina, e volta para a Bahia. Tem peixe baiano que vai para outros Estados para ser beneficiado e volta para ser consumido aqui. O principal exemplo é o badejo. É o peixe mais utilizado para a moqueca. Todos sabem que a Bahia tem essa tradição da moqueca. Salvador é o maior município consumidor de pescado e esse peixe vai para os outros Estados e volta para a Bahia.

– É precária também a situação dos pequenos pescadores. Você tem abastecimento de gelo em um local, abastecimento em outra situação, não tem local para conserto. Até a própria descarga é complicada. Um verdadeiro malabarismo.

O pescador Francisco Azevedo Filho é mestre do barco e coordena toda a operação de descarregamento de peixe.

– A estrutura de descarregamento está difícil, a ponte está deteriorada. Nós não temos o diesel no porto, tem que vir nas bombonas. Ou senão o carro trás até aqui e vocês traz no carrinho até a beira do cais. Tudo é muito precário. E essa situação é igual para todos os pescadores da região – diz ele.

Mas já nos próximos meses a situação dos pescadores daqui deve começar a melhorar. No local onde funcionava o primeiro porto de Ilhéus está sendo realizada uma obra que vai mudar a infraestrutura de logística da pesca nesta região. Os engenheiros mostram a planta do novo terminal pesqueiro de Ilhéus. As obras já começaram e devem estar prontas em meados de 2011.

– Tudo que é necessário para um terminal pesqueiro, esse aqui de Ilhéus terá. Além de beneficiamento, teremos fábrica de gelo, abastecimento de combustíveis, conserto de embarcações. Vai mudar toda a logística do pescado da região, com certeza. Agora teremos uma estrutura adequada. Antigamente ia para qualquer canto, sem nenhuma estrutura – explica o presidente da Bahia Pesca, Isaac Albagli.

A próxima parada é em Salvador, cidade de cores e de sabores. E, para falar de peixe, nada melhor do que procurar um bom prato da culinária baiana, feito a base de pescado.

Mesmo a Bahia produzindo 120 mil toneladas de pescado por ano, o consumidor precisa pagar por um produto mais caro, que rodou centenas de quilômetros em outros Estados para depois voltar novamente ao seu Estado de origem.

A busca começa em um dos principais mercados da cidade, o Mercado do Peixe. Não é difícil encontrar peixe que rodou por muitas estradas para chegar até aqui.

– Aqui temos o peixe vermelho, que é de Porto Seguro, o badejo, que é de Santa Catarina, o bejupirá e a pescada amarela, que são de Santa Catarina. Tem o dourado que é do Pará. O peixe vendido aqui em Salvador viaja o Brasil inteiro, por vários cantos do Brasil. O valor lá é menor. Quando chega aqui, chega um pouco mais alto, mas ainda dá para competir com os peixes mais nobres aqui do Nordeste – afirma Gilvan Silva, proprietário de uma das peixarias.

E foi lá no mercado que encontramos dona Alaíde, uma baiana que não abre mão de comer peixe pelo menos uma vez por semana. O peixe escolhido é uma pescada amarela, que veio direto de Santa Catarina. Antes de ir para casa, é preciso comprar mais alguns complementos. O leite de coco não pode faltar.

Já na cozinha de sua residência, dona Alaíde lava os pedaços do peixe com água e limão. Para fazer a típica moqueca baiana, o melhor é usar uma panela de barro. O peixe e os outros ingredientes são colocados em camadas alternadas. Quase no final vai o leite de coco, que foi batido no liquidificador.

– Essa é a receita de uma legítima moqueca baiana. Vai coentro, cebola, tomate, pimentão, leite de coco, azeite de dendê. E o peixe tem que ser bem escolhido, de qualidade – diz ela.

Na mesa tem ainda arroz, farofa e feijão fradinho.

Das águas vem o sustento. Das águas vem o alimento. A natureza dá de presente, mas não é assim tão fácil ir buscar. São barcos apertados, são dias no mar. São ondas e tempestades a atrapalhar. O que parece simples se revela complicado. Tudo tem um preço e nem sempre esse preço é pequeno. No Brasil, a tarefa de pescar e transportar por muito tempo ainda deve ser uma rede emaranhada de longas jornadas e de muito esforço, de gente que tem os pés no chão e o coração no oceano.

Fonte: Canal Rural

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