quarta-feira, 13 de julho de 2011

Artigo: O aumento do preço dos alimentos


O índice de preço dos alimentos da FAO (Food and Agriculture Organization) tem apresentado uma tendência de aumento desde o quinquênio 1999-2003, quando apresentou os níveis mais baixos de todo o século anterior.

Realmente é surpreendente que o índice de preço dos alimentos, em nível mundial, tenha caído mesmo com o aumento da população mundial (que cresceu 4 vezes no século XX) e o crescimento da economia mundial (PIB) que cresceu cerca de 18 vezes no século XX. Ou seja, a despeito de um crescimento de 4,5 vezes no poder de consumo per capita da população mundial, o preço dos alimentos apresentou uma tendência de queda. É mesmo surpreendente, pois é sabido que existe muito desperdício e muita especulação na produção e no consumo de alimentos e mesmo assim os preços reais caíram durante décadas.

Desta forma, embora a demanda tenha crescido o índice de preço mundial dos alimentos caiu e se manteve em nível baixo até o ano de 2003. Durante o século XX, o preço dos alimentos aumentou durante as duas Guerras Mundiais e entre o período 1974 e 1981, quando os preços do petróleo atingiram níveis muito altos, devido à instabilidade no Oriente Médio. Com o fim da União Soviética (e da Guerra Fria) os preços do petróleo atingiram os seus níveis mais baixos no final dos anos 1990, o que contribuiu para abaixar também o preço dos alimentos até 2003.

O gráfico abaixo mostra o índice real de crescimento anual do PIB, da população, dos preço dos alimentos e do preço do petróleo, no mundo, entre 1990 e 2011. Entre 1990 e 2003 o preço dos alimentos e do petróleo cresceram menos que o aumento da população e da economia (PIB). Porém, a partir de 2004 o preço do petróleo disparou e, em seguida, o preço dos alimentos também subiu, mas em ritmo um pouco menor do que o preço do petróleo. Em 2008 os preços do petróleo e dos alimentos chegaram a um pico elevado, caíram em 2009 devido à crise financeira internacional, voltaram a crescer em 2010 e atingiram um dos índices mais elevados em maio de 2011.


Entre 1990 e 2011 a população mundial cresceu 32%, o PIB mundial cresceu 102%, o preço dos alimentos cresceu 95% e o preço do petróleo cresceu 366% até maio de 2011. Até o ano de 2006 o preço dos alimentos tinha crescido em ritmo menor do que o da população mundial. Mas o preço dos alimentos já vinha crescendo em ritmo mais acelerado do que o da população, o que fica mais evidente a partir de 2007. Se esta tendência dos preços dos alimentos continuar, haverá grande pressão os padrões nutricionais da população.

Porém, o que os dados do gráfico sugerem é que o preço dos alimentos segue mais o preço do petróleo do que diretamente o crescimento da população e da economia. De fato o preço do petróleo influi no preço dos fertilizantes, dos diversos defensivos químicos e nos custos dos transportes. A energia é fundamental para a produção agropecuária. Portanto, se o preço do petróleo continuar crescendo o preço dos alimentos também deve crescer.

O petróleo, segundo diversos estudos, parece ter atingido o “Peak Oil”, em 2008, e a oferta mundial deverá se estabilizar e ficar atrás da demanda nos próximos anos, enquanto a procura mundial deve continuar aumentando. Um acontecimento novo do século XXI é que as economias emergentes (e mais populosas) estão crescendo em velocidade muito superior às economia avançadas. Este processo tende a aumentar muito a demanda de petróleo e alimentos. Se estas tendências continuarem, o mundo terá um grande desafio nas próximas décadas que é lidar com o aumento do preço das diversas commodities, a despeito dos esforços recentes do G-20 contra a volatilidade dos preços.

Como o petróleo é uma fonte não renovável de energia e a oferta vai ter dificuldade de acompanhar a demanda, somente o desenvolvimento de outras fontes de energia (como a energia solar, eólica, das ondas, etc.) poderá aliviar as tendências de alta do preço dos alimentos. O aumento da produção de biocombustíveis pode, por um lado, aliviar o aumento do preço do petróleo, mas, por outro, tende a competir com a produção de meios de subsistência e pode ser um fator a mais de pressão sobre o preço dos alimentos.

No final do mês de junho de 2011 o preço do petróleo teve uma redução, especialmente depois que os Estados Unidos e a Agência Internacional de Energia (AIE) liberaram parte das reservas estratégicas de petróleo, devido à crise na Líbia. Isto deve dar um alívio temporário nos preços e na pressão inflacionária que tem se espalhado por quase todos os países do mundo. Porém, se a economia internacional mantiver o ritmo acelerado de crescimento econômico, os preços das commodities devem voltar a subir. Também o aquecimento global, a degradação das terras agricultáveis e a acidez das águas dos rios e dos oceanos devem afetar a oferta dos produtos de subsistência. A combinação do aumento dos custos de produção dos alimentos com a perda de fertilidade das terras e das águas pode trazer sérias consequências para as condições de sobrevivência dos habitantes do Planeta.
A FAO calcula que até 2050 a produção de alimentos terá de crescer 70% para alimentar os estimados 9 bilhões de habitantes do planeta. Seria necessário uma reforma do sistema agrícola global para aumentar a oferta de comida. Mas em qualquer cenário, o mundo vai ter que enfrentar o aumento do custo da produção, devido ao aumento do preço da energia e devido à combinação de perda de fertilidade das terras e águas, em um quadro de mudanças climáticas.

Assim, se, no longo prazo, os preços dos alimentos mantiverem a tendência da última década, uma parcela expressiva da população mundial vai ter dificuldades para garantir o direito à segurança alimentar. A combinação de escassez do petróleo com degradação ambiental pode indicar um cenário de continuidade do aumento do preço dos alimentos, prejudicando especialmente as parcelas pobres das populações dos países que não possuem autossuficiência alimentar. Em síntese, a fome no mundo pode aumentar. Este vai ser o grande desafio, para os próximos anos, do brasileiro José Graziano, novo diretor-geral da FAO.

por José Eustáquio Diniz Alves
José Eustáquio Diniz Alves, articulista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal.

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