quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A Tragédia dos Comuns na produção da lagosta


Artigo Andréa Sales Soares de Azevedo Melo*

Há diferentes tipos de bens na economia que se comportam de forma diferente diante da lógica de mercado. Os bens privados, cuja escassez é controlada pelo mecanismo de preços; os bens públicos, cuja oferta depende de mecanismos complementares aos de mercado, em geral, por meio de política pública; e os bens comuns, ou recursos comuns, cuja escassez é eminente e explicada pelo que se chama em economia de Tragédia dos Comuns. A Tragédia dos Comuns é uma parábola que ilustra o porquê de certos recursos serem utilizados a um nível superior àquele que seria o nível desejado pela economia, ou sociedade. A pesca da lagosta é um desses casos típicos.

A pesca da lagosta se caracteriza, por um lado, por não haver excludência no acesso. Todos podem eventualmente pescar lagosta, pois o acesso ao mar é livre, além do que a pesca da lagosta não representa custos relativamente elevados. Ou seja, não há muitas barreiras à atividade. E, por outro lado, caracteriza-se como um bem rival, ou seja, o que um pescador pesca não pode mais ser pescado por outro pescador (diferentemente da iluminação pública ou uma estrada, que podem ser utilizadas por vários cidadãos ao mesmo tempo).
A tragédia acontece porque os incentivos sociais são diferentes dos incentivos privados, pois cada pescador é apenas uma parte muito pequena do problema, e age de forma a levar o recurso à exaustão, seja pela ação da pesca predatória, feita de forma inadequada, seja pela pesca de uma quantidade maior a que o ambiente suporta, na reposição natural da espécie. As soluções de imposição de medidas reguladoras atuam de forma a restringir a atuação dos pescadores, principalmente na atitude predatória da pesca, e devem ser continuadas. Uma solução liberal seria no sentido de definição de direitos de propriedade; ou um loteamento do mar, o que tornaria a pesca da lagosta um bem privado. Mas esta não parece ser uma solução razoável, uma vez que ninguém imagina que este loteamento seja desejável, mesmo que o mesmo se desse através de uma propriedade coletiva, como atesta com bons resultados para outros tipos de recurso a prêmio Nobel de 2010 Elinor Ostrom.
Pode-se, então, atuar com regulação de forma direta, com fiscalização sobre a pesca, tentando evitar a pesca predatória, na forma e no produto pescado, evitando tamanhos fora do padrão sugerido e também a época do defeso. Esta medida pode ser complementada com a certificação verde, e possivelmente no longo prazo até mesmo ser substituída por ela, com o amadurecimento dos mercados. A certificação atua como uma fiscalização ao contrário, cujos custos serão adicionados ao preço do produto e os consumidores mais conscientes e desejosos de melhor qualidade ambiental (prevendo também o seu consumo futuro) pagarão por ela, diferentemente da fiscalização que é paga por todos, de uma forma geral.
Estas ações, entretanto, atuam apenas em parte na sobrepesca da lagosta. Certamente diminuirão a pesca, porque aqueles pescadores que não se adequarem à lei ou à certificação cairão fora do mercado, ou pela lei, ou porque não conseguem vender seu produto. Mas o incentivo à sobrepesca continuará, ditado pela tragédia dos comuns, pois o benefício social não é internalizado por cada pescador individualmente.
Outra alternativa é a imposição de cotas, que podem se dar através de certificados negociáveis. Ou seja, cada pescador pode, ou pescar a quantidade que lhe foi designada, ou vender o seu certificado para outro pescador. Cria-se um mercado que pode ser utilizado de forma proveitosa na direção de ambos. Neste caso, a fiscalização e a certificação verde podem ser usadas de forma complementar, tendo em vista atingir padrões mais sustentáveis do modelo da pesca.

*Pesquisadora sobre o mercado de pesca da lagosta da UFPE
Fonte: O Globo, 01/11/2011, Razão Social, p. 8-9

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