Uma das vantagens de ser cientista é que, às vezes, calha saber a resposta para uma daquelas perguntas-chave que crianças e adolescentes fazem sobre os mistérios da vida.
Foi mais ou menos o que aconteceu com o médico infectologista estadunidense Mark Stoeckle, que ouviu de sua filha a seguinte dúvida existencial: seria possível descobrir se o peixe do qual é feito o sushi é mesmo o indicado pelos restaurantes?
Stoeckle achou que sim, que era possível, embora não tivesse certeza se alguém já havia tentado desbravar o DNA dos peixes de Nova Iorque. Que se faça justiça: a pergunta da filha não foi assim tão disparatada, já que ela tinha conhecimento de que o pai trabalhava, há anos, com barcoding DNA na Universidade Rockefeller.
A pesquisa revelou que 25% dos restaurantes vendiam falsos pratos
A técnica é promissora, e alguns cientistas já a chamam de “assinatura molecular”, porque, tal qual uma impressão digital ou um código de barras, o fragmento do ácido desoxirribonucleico teria característica específica que apontaria a singularidade da espécie.
Pois bem. Fato é que, apesar da complexidade inerente a todo experimento de genética de ponta, a filha de Stoeckle compreendeu o procedimento e com supervisão do pai empreendeu uma visita a vários restaurantes de Nova Iorque. O resultado da investigação revelou que 25% dos restaurantes, se não vendiam gato por lebre, serviam tilápia no lugar de atum.
A descoberta valeu matéria no New York Times, o projeto familiar ficou famoso e a empreitada ganhou até apelido: a sugestiva alcunha de sushi-gate.
O sucesso da iniciativa animou Stoeckle, que decidiu levar o projeto com o código de barras de DNA aos alunos do ensino médio de escolas de Nova Iorque. O apartamento do cientista virou um laboratório improvisado, mas com material adequado o suficiente para dar prosseguimento à pesquisa iniciada pela filha.
Por lá, alimentos continuam passando pelo crivo dos adolescentes, que já analisaram a procedência de mozarelas de búfala e ervas para chás.
O Alô, Professor conversou com Stoeckle por e-mail. Leia, a seguir, a entrevista com o cientista, que falou com entusiasmo sobre a sua empreitada com estudantes – um dos destaques no site da revista The Scientist no mês passado. O médico também mostrou empolgação com dois novos projetos que envolvem código de barras de DNA e adolescentes nos Estados Unidos.
CH On-line: Quando você decidiu que seria interessante ensinar genética de alto nível para adolescentes?
Mark Stoeckle: Sempre tive interesse em deixar as pessoas empolgadas sobre assuntos que envolvem ciência e natureza, particularmente as pessoas que não são especializadas nessas áreas. Em 2008, minha filha fez uma pergunta simples: se era possível identificar o DNA de peixes de sushi vendidos em restaurantes. Eu já trabalhava com o código de barras de DNA há vários anos, então ela sabia que cientistas já identificavam espécies pelo DNA. Disse a ela que achava possível, mas que ninguém havia tentado testar o DNA do sushi.
E como foi o primeiro teste?
Minha filha e uma amiga recolheram peixes e outros produtos à base de peixe vendidos em restaurantes e lojas no nosso bairro, em Nova Iorque. Enviei essas amostras para a Universidade de Guelph (Canadá) para testes com código de barras. Eles descobriram que 1/4 dos peixes era ‘falso’. Esses peixes foram vendidos sempre como uma espécie mais cara e desejada.
Minha filha acabou na capa do New York Times com a história do sushi-gate, que chamou a atenção em muitos países. Ajudá-las nesse projeto foi muito divertido, então decidi continuar trabalhando com pequenos grupos de alunos do ensino médio.
E é fácil ensinar a técnica do código de barras aos alunos?
A ideia de código de barras de DNA é simples e há muitas coisas no ambiente cotidiano que são interessantes de testar. Desde o seu início em 2003, um dos objetivos do projeto de código de barras em que trabalho é tornar fácil para qualquer pessoa, e não apenas para um especialista, a identificação de uma espécie.
Mas como transportar esse tipo de experiência para uma realidade menos favorecida educacional e economicamente?
Em 2012, várias empresas começarão a fazer kits de código de barras de DNA que tornarão mais fáceis as análises de amostras. Por outro lado, ainda é necessário um supervisor experiente e alguns equipamentos especializados, por isso o uso da técnica ainda é restrito.
E quanto você gastou para construir o seu laboratório caseiro?
Ano passado, construímos um laboratório caseiro para trabalhar com código de barras de DNA por 5 mil dólares. Foi o necessário para encomendar equipamentos de segunda mão à venda na internet. Os alunos usaram o laboratório para analisar amostras de chá, que custaram, cada uma, 15 dólares. Espero que com o tempo esses valores caiam substancialmente.
Quais outros projetos com adolescentes e código de barras de DNA você apontaria como promissores?
E qual avaliação você faz da sua experiência com os alunos?
A ciência feita com o coração é uma viagem de descoberta que torna tudo muito interessante. O código de barras de DNA é uma maneira de manter os alunos interessados em ciência, fazendo realmente uma investigação. Em cada um dos projetos, os alunos descobriram coisas que ninguém sabia. Os alunos que fizeram os experimentos com chá são coautores de um artigo na seção de relatórios científicos da Nature. Esse tipo de conquista deixa qualquer um muito animado.
Ciência Hoje On-line
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