quinta-feira, 30 de maio de 2019

Opinião: 150 dias "antiliberais" no meio ambiente

"No mundo corporativo, governança é sinônimo de profissionalismo. É o sistema pelo qual se relacionam sócios, conselho, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. Quanto mais transparência e estabilidade, melhor a qualidade dessas relações e o nível de confiança entre as partes. No caso do Fundo Amazônia, administrado pelo BNDES, uma agenda “antiliberal" foi colocada em pauta pelo ministro do Meio Ambiente. Ricardo Salles atua para eliminar as garantias de controle social e minar a confiança entre as partes do Fundo.

Com uma canetada. Foi assim que Bolsonaro extinguiu todas as instâncias de governança – conselhos, comissões, comitês e juntas – criadas por decretos ou por normas inferiores. No meio delas, uma de especial valor para o meio ambiente: o Comitê Orientador do Fundo Amazônia, instituído em 2008 no BNDES, como parte de um inovador mecanismo de financiamento ambiental.

Segundo o Planalto, a extinção de instâncias de participação social visa reduzir custos. No caso deste comitê, ligado ao Fundo Amazônia, todas as despesas são bancadas pelos próprios investidores, que exigem mecanismos inclusivos de governança em contrato.

Com uma nova canetada, o presidente deve selar o destino final desse comitê: nestes dias, ele precisa confirmar com um novo decreto se o salvará ou não.

Desconstruir a governança do Fundo Amazônia vai afugentar investimentos

Essa decisão terá consequências importantes: se o extinguir, o presidente estará dizendo adeus ao Fundo Amazônia e ao polpudo recurso já aportado por Noruega, Alemanha e Petrobras. Se o mantiver, precisará provar que é capaz de seguir a cartilha de boa governança corporativa. Caso não faça isso, dará ao Fundo fim ainda mais dramático: poderá haver ruptura e até mesmo o pedido de devolução de parte dos recursos doados. Sem falar no sinal negativo para os demais investimentos internacionais.

O risco de insucesso em todas essas opções é real: o novo governo vem escorregando na tratativa da governança. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, causou constrangimentos ao acusar o BNDES de má gestão e bancar o órgão fiscalizador – tarefa que cabe à Controladoria-Geral e ao Tribunal de Contas da União. O ponto alto foi Salles chamar uma coletiva de imprensa para anunciar resultados de sua auditoria particular e, na ocasião, reconhecer que não havia necessariamente irregularidades. Apenas pontos para maiores investigações.

Considerado um modelo de transparência, equilíbrio de forças e participação mundo afora, o Fundo Amazônia já foi objeto de inúmeras avaliações independentes. Seu modelo é de aportes por resultados, isto é, investidores pagam ao Brasil por ter alcançado resultados positivos na redução de emissões de desmatamento no passado. Vale pontuar que esse tipo de mecanismo é muito comum no mercado: quanto mais o Brasil prova seu bom desempenho, mais chances tem de receber novos aportes.

Quem investe no Brasil não tem, no entanto, direito à voz nem a voto na orientação de investimento em projetos. O poder decisório sobre isso foi, até agora, totalmente do Brasil, por meio dessa instância da qual participam, em equilíbrio, governo federal, governos estaduais amazônicos, representantes do setor privado, da academia e organizações civis. A confiança dos investidores advinha da competência de gestão pelo BNDES e de não estar atrelado à gestão de um ou outro ministério.

O que se observa é que, após dez anos de existência do fundo, o MMA parece disputar o protagonismo com o gestor, propondo mudanças no fundo sem pactuação com o BNDES e sem transparência. Isso gera um sinal muito negativo para as demais ações de governo que envolvem bancos e investidores. Imaginem se isso se proliferar pelas concessões de infraestrutura?

Enfrentamos forte contingenciamento de recursos e uma recessão econômica. Não é hora de espantar financiadores e investimentos. E nem quem tem capacidade de executar bons projetos em regiões remotas e carentes. Seria até antieconômico.

Ao expressar o desejo de limitar o uso de recursos por parte de organizações executoras de projetos na Amazônia, o governo atua contra a liberdade econômica e de ação dos indivíduos. Não há nada mais "iliberal" do que essa conduta. E, ironicamente, isso provocado por Salles, que defende abertamente o liberalismo econômico, a diminuição do Estado e o fim de mecanismos que limitem liberdades individuais.

Desconstruir a governança do Fundo Amazônia vai afugentar investimentos. O ministro Ricardo Salles arrisca-se a ter de cumprir a obrigação amarga de anunciar um desmatamento recorde e o fim do investimento externo dedicado ao controle em sua gestão. Por sua conta, para nosso risco. Pode, ainda, mudar a percepção de risco de investimento no Brasil. Para pior.

Natalie Unterstell é mestre em políticas públicas pela Universidade de Harvard e co-fundadora do Movimento Agora!"

Fonte: Gazeta do Povo
Imagem: Fundo Amazônia

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Audiência Pública: OS BENEFÍCIOS DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO PARA A ECONOMIA E O DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

Nesta terça, dia 4 de junho de 2019, ocorrerá uma Audiência Pública na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados para debater sobre a importância das Unidades de Conservação para a economia e o desenvolvimento do Brasil.



A audiência também será transmitida pela internet, pela página da Comissão de Meio Ambiente, através do link: https://edemocracia.camara.leg.br/audiencias/sala/988

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Ubatuba participará de testes de dispositivo utilizado em pesca de arrasto do camarão

A secretaria municipal de Pesca e Agricultura (SMPA) de Ubatuba vem trabalhando em conjunto com pesquisadores acadêmicos e pescadores artesanais do município para iniciar os testes do mecanismo conhecido como TED – Dispositivo de Escape de Tartarugas, exigido por lei desde a década de 90 na pesca de arrasto do camarão.


Os testes serão realizados em quatro localidades do Brasil: Vitória (ES), Pirambu (SE), Rio de Janeiro (RJ) e Ubatuba (SP). Será comparada a pesca com e sem o uso do TED, observando se há a presença ou não de lixo, a quantidade e a qualidade do camarão pescado e se ocorre a compactação do camarão. O objetivo é analisar a real necessidade de uso do equipamento.

Atualmente, a Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente n. 31/2004 determina o uso obrigatório do TED em embarcações com mais de 11 metros de comprimento. Em caso de descumprimento, as embarcações estão sujeitas a responder por crimes ambientais, com pesadas multas e risco de apreensão de equipamentos.

Os testes, estudos e reuniões com os pescadores vão orientar a construção do Plano de Gestão da Pesca do Camarão no Brasil e gerar recomendações para a adequação do marco legal da pesca. “Trata-se de uma grande oportunidade de participação dos pescadores na adequação das leis que regulamentam a atividade em todo o país”, destaca o chefe da seção de Fomento à Pesca e Maricultura da SMPA, Antônio Epifânio de Oliveira Neto.

Articulação permanente

A SMPA realiza um trabalho permanente de articulação entre todos os setores do município envolvidos no que diz respeito às regulamentações da pesca. Isso inclui pescadores, poder público e instituições de pesquisa e conservação presentes em Ubatuba, como o Instituto de Pesca/SAA e a Fundação Pró-Tamar.

Como parte dessa articulação, os pesquisadores de Ubatuba, Venâncio Guedes de Azevedo, do Instituto de Pesca, e, Bruno Giffoni, da Fundação Pró-Tamar, e os pescadores Manoel Ribeiro e Adilson M. Barbosa, selecionados pela SMPA, participaram entre 11 e 13 de março, do Workshop Técnico sobre o uso de BRD’s nas pescarias de arrasto no Brasil, em Itajaí, Santa Catarina.

A cidade de Ubatuba t foi um dos locais escolhidos para a realização dos testes do TED porque já está adiantada há vários anos nessa discussão envolvendo o segmento pesqueiro.

O workshop foi parte do projeto conhecido como REBYC, desenvolvido nas Américas pela Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO)/ONU.

O objetivo é reduzir o impacto ambiental que surgiu com a pesca comercial de arrasto do camarão nos países tropicais e minimizar, particularmente, a captura e o descarte de espécies da fauna acompanhante, incluindo as tartarugas. Com isso, a proposta é tornar a pesca do camarão mais responsável, evitando a captura de outras espécies e aproveitando o que não é possível evitar.

Fonte: R3
Imagem: Prefeitura Municipal de Ubatuba

segunda-feira, 13 de maio de 2019

A luta solitária de uma jovem para salvar corais no Caribe

Yassandra Marcela Barrios Castro conversa com um pequeno grupo de pescadores no litoral de Tierra Bomba, uma ilha próxima à costa de Cartagena, no norte da Colômbia. É a única mulher do grupo – e os homens, todos com idade semelhante à de seu pai, gesticulam freneticamente para ela. Mas a jovem de 19 anos permanece calma enquanto explica o quão destrutiva é a pesca com explosivos que eles praticam – tanto para os corais quanto para os habitantes da área.



Os pescadores de Tierra Bomba usam dinamite para pescar há décadas – e é difícil para eles ouvir que estão agindo de maneira errada. Especialmente quando a crítica vem de uma adolescente.

"É muito fácil os homens me desvalorizarem por eu ser uma menina", diz Yassandra. "E a idade é algo que é respeitado por aqui. Portanto, para uma jovem mulher se levantar e dizer que uma antiga tradição é errada e que está destruindo o oceano... não é tarefa fácil", diz.

Yassandra vive em Boca Chica, no litoral sul de Tierra Bomba. A ilha é rodeada de recifes de coral, e seus nove mil habitantes dependem maciçamente do oceano para se alimentar. Mas a pesca com explosivos e a de arrasto estão destruindo os ecossistemas que são fonte de renda para a comunidade.

"Há muita gente que não tem consciência das consequências de suas ações", explica Yassandra. "Eles estão destruindo o oceano, e eu me preocupo que isso seja para sempre", acrescenta.

Muitos dos habitantes da ilha lutam para sobreviver, e há poucas oportunidades para educação. A bióloga Valéria Pizarro diz que isso dificulta o engajamento da população em questões ambientais. "As pessoas aqui têm problemas mais urgentes", alerta Pizarro, que estuda os recifes caribenhos colombianos há décadas.

Isso faz com que Yassandra, que estuda Biologia Marinha na Universidade Sinu, em Cartagena, seja uma exceção. "Quero saber o que está acontecendo nos oceanos de forma mais profunda", afirma. "O curso me dá uma perspectiva diferente."

Yassandra também é a única mulher em seu programa de estudos e viaja durante duas horas de barco, todos os dias, para frequentar as aulas. Ela quer dividir o que aprende com aqueles que não tiveram a oportunidade de ter uma educação formal. Assim, organiza discussões na comunidade para fazer com que os habitantes locais se informem sobre as ameaças ambientais que enfrentam.

"Estou tentando explicar que, se protegermos os recifes e o nosso oceano, mais pessoas virão para vê-lo, e isso pode trazer algum dinheiro para a nossa ilha", raciocina. "E também, se destruirmos completamente os recifes, não teremos nada para pescar", conclui.

Sorridente e cheia de energia, Yassandra parece ter o dom de convencer pessoas. O que é bom, diante da cultura que enfrenta. Pizarro diz que as mulheres da região se acostumam a ser ignoradas, interrompidas e ver os homens levarem os créditos por suas ideias.

"Se você quiser falar, ser ouvida e promover mudanças, precisa ter personalidade forte e ser capaz de lidar com fofocas, além de ser chamada de 'histérica'", diz a bióloga. "Você tem que ser capaz de falar alto, e ter coragem o suficiente para interromper."

Os assuntos levantados por Yassandra também tocam no ponto da função e do orgulho masculinos: trazer para casa uma renda razoável para sustentar suas famílias. É ótimo informar as pessoas que seu trabalho tem consequências para o meio ambiente, mas Pizarro admite que "mudar é muito difícil quando você é pobre".

"Sempre é difícil 'exigir' uma mudança de pessoas que estão vivendo um dia após o outro", acrescenta a bióloga. "Sei que a sobrepesca é um problema para qualquer ecossistema marinho, mas como posso pedir a alguém que não tem dinheiro para sustentar a família que pare de pescar?"

O maior desafio, nesse caso, é oferecer alternativas. E há projetos locais tentando fazer exatamente isso. Um deles é uma escola de mergulho da qual Yassandra é aluna.

Da pesca ao turismo

A escola de mergulho Paraiso Dive Cartagena, em Tierra Bomba, está ensinando jovens da ilha a mergulhar. A esperança é que, no futuro, sejam capazes de sobreviver como instrutores de mergulho e guias, em vez de pescadores.

A Colômbia tem cerca de 2.900 quilômetros de litoral. As águas caribenhas e do Oceano Pacífico abrigam 2.600 espécies marinhas, incluindo 155 corais e seis das sete espécies de tartarugas marinhas do mundo. Tudo isso atrai turistas, mas a maioria dos instrutores de mergulhos e guias turísticos não são locais – e essa é uma realidade que a Paraiso Dive quer mudar.

Fonte: DW

quinta-feira, 9 de maio de 2019

PE: “O território dos pescadores é além da terra. É a área de água, trabalho e vivência”

Em entrevista ao programa Revista Brasil de Fato, que foi ao ar na Rádio Frei Caneca, o educador social Severino Santos, membro do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), falou sobre a relação dos pescadores e pescadoras com o território, identidade, violência e as ameaças à prática da pesca, inclusive com as medidas adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), que retiram direitos conquistados pelas comunidades pesqueiras ao longo dos anos.

Trabalhadoras e trabalhadores das águas, a relação que essas comunidades estabelecem com o território se dá a partir da vivência com rios e mares. “O território dos pescadores é além da terra, é a área de água, área de trabalho, área de vivência. A sociedade dos pescadores se dá no alto mar. Para muitas comunidades, a água não é só um bem de vida, é um ser maior. Para eles, a importância da água é maior que a da terra”, conta Severino.

Essa luta por reconhecimento de identidade e território foi protagonizada pelos pescadores ao longo de décadas. Nos 1980 e 1990, a prática pesqueira em Pernambuco era impactada pela criação de camarão em áreas estuarinas, que ocupavam as áreas de manguezais. Ainda segundo o educador social, muitas comunidades locais perderam suas áreas de cultivo por conta da poluição e desmatamento.

O Ministério da Pesca foi criado apenas no governo do ex-presidente Lula (PT), em 2003. Em 2012, os pescadores lançaram campanha pela regularização dos territórios das comunidades tradicionais pesqueiras, segundo a mesma legislação que estabelece esse reconhecimento para indígenas e quilombolas. “Porém, não tem reconhecimento de território na legislação das comunidades pesqueiras e é preciso ter uma lei que garanta isso. Os pescadores estão nesse processo de construção, de coleta de assinaturas, com uma proposta de lei de iniciativa popular”, afirma Severino.

A campanha nacional pela regularização o território das comunidades tradicionais pesqueiras foi impulsionada pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras do Brasil (MPP), que reúne organizações, associações universidades e centros de pesquisa, lançada em 2012. A proposta é que, até novembro deste ano, seja protocolado documento na Câmara dos Deputados.

Ainda de acordo com o educador social, outras questões que as comunidades vêm batalhando é pelo acesso à regularização fundiária, o que vem sendo feito “através de alguns instrumentos, que são frágeis, mas que já existem, e garantem alguma permanência das comunidades”. Recentemente, em Pernambuco, houve três casos de liberação de Termo de Autorização de Uso Sustentável, emitido pela Secretaria de Patrimônio da União, que garante que as áreas ocupadas onde os pescadores desenvolvem suas atividades sejam garantidas e reconhecidas como áreas de territórios pesqueiros. São elas: Itapissuma, Cabo de Santo Agostinho e Itamaracá.


Luta e identidade

A luta por reconhecimento identitário também foi um desafio para as comunidades pesqueiras. Até finais dos anos 1970, por exemplo, as mulheres não tinham registro como pescadoras, esse direito aconteceu há apenas 40 anos. Ao longo do tempo, isso foi impulsionando uma mudança de comportamento dentro das próprias comunidades pesqueiras. “Quando você pega registro de pescadoras mais antigas, muitas delas tinham vergonha de se chamar pescadoras, elas diziam ser donas de casa. Hoje, as mulheres afirmam como pescadoras”, afirma Severino.

Outra questão importante neste sentido é o reconhecimento das organizações de pescadores que, na década de 1920, foram criadas pela Marinha do Brasil como reserva para recrutamento das forças armadas. Só depois é que passam a ser reconhecidas como órgão de classe dos trabalhadores. Para Severino, a identidade dos pescadores está ligada ao “ser protagonista que trabalha, que produz e traz alimento para a mesa do povo”.

Pesca e cidade

De acordo com Severino, há, pelo menos, 13 comunidades tradicionais pesqueiras que desenvolvem atividades dentro do estuário do rio Capibaribe. No entanto, para ele, essas comunidades seguem inexistentes para a maioria da sociedade e poder público. “É tanto que, no plano diretor do município, não aparece nenhuma área pesqueira, nenhuma área com tradição, quando você tem comunidades que a característica dela vem oriunda da pesca, como a comunidade da Brasília Teimosa e a do Bode, que é a comunidade pesqueira mais antiga do município”, afirma.

Severino também relembrou a Ilha de Deus que, segundo ele, é a maior produtora de sururu da cidade. “É um grande desafio a gente conseguir garantir a permanência dessas comunidades nas áreas urbanas onde elas desenvolvem atividades”, reforça. Além da invisibilidade pelo poder público, ele também ressalta o contexto de poluição dos rios, como o Capibaribe no Recife, que prejudica a natureza e põe em risco o ofício dos pescadores.

Educação popular

Educador social, Severino afirma que a educação para as comunidades pesqueiras é “um desafio grande”, tendo em conta as contradições que existem entre os currículos das escolas regulares e a realidade da vida nas comunidades. “Primeiro que a educação formal não contempla as comunidades pesqueiras. O ensino formal tem carga horária prevista dentro de uma plataforma, que não atende à realidade do mar”, afirma.

Nesse sentido, ele afirma que a comunidades pesqueiras têm desenvolvido alternativas em alguns locais do país, as chamadas escolas paralelas. Na Bahia, por exemplo, Severino traz a experiência da Escola das Águas, que acompanha os jovens para que consigam trabalhar e seguir na escola e, até mesmo, avançar para a universidade. Essa experiência também tem sido realizada no Ceará.

Em Pernambuco, não existe, ainda, uma prática nesse sentido. Mas, de acordo com o educador social, tem os avanços na formação da discussão a partir da realidade de cada comunidade.

Ameaças à profissão

Severino também salientou algumas ameaças que impactam negativamente a vida dos pescadores e pescadoras. O grande turismo, seria uma delas. De acordo com ele, áreas como Porto de Galinhas já foram praias pesqueiras, mas, hoje em dia, são totalmente explorado mercado do turismo e invisibiliza a prática da pesca.

Outro grande problema é a remoção de comunidades em prol de interesses de grandes empresas. Severino cita o exemplo da região de Suape, decretada como área de interesse no desenvolvimento econômico ainda no final dos anos 1970. “No entanto, as comunidades que estavam no entorno de Suape não foram trabalhadas para isso. No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, com a implantação dos grandes polos e grandes fábricas, as comunidades começaram a ser removidas”, conta. Mesmo com todo o enfrentamento, Severino reforça que “houve muita pressão pelo governo do estado”.

Outra questão lembrada é a violência e a falta de segurança para as atividades. Severino citou a violência nos mangues, mas também a violência estatal a partir da negação de direitos. “O estado de Pernambuco criou uma lei específica para pesca artesanal. No entanto, essa lei não tem garantidos os direitos que deveriam de fato ser efetivados”, conta.

Ele lembra que, em 2012, foi criado o chapéu de palha da pesca artesanal. No início, essa lei já previa que, quando havia a ausência do registro de pesca emitido pelo governo federal, bastaria uma declaração da organização do pescador. De acordo com Severino, isso funcionou corretamente até 2014. Em 2015, essa norma passou a ser desrespeitada e o número de pescadores atendidos caiu de 12 mil para 4 mil.

Severino também citou as áreas em conflito como problema para o exercício da profissão. De acordo com ele, são três as grandes áreas de impacto direto: Suape, Goiana e a região do São Francisco. Em Goiana, por exemplo, ela fala que existe uma reserva extrativista situada entre um complexo automotivo e um farmacoquímico. “As comunidades recebem todos os dejetos. Todo descarte é feito no rio Goiana”, declara.

No São Francisco, as comunidades, agora, sofrem com a ameaça da construção da usina nuclear em Itacuruba, que traz impactos para povos indígenas, quilombolas e portos de comunidades pesqueiras.

Retrocesso na política ambiental

De acordo com Severino, a partir de 2016, com a chegada de Michel Temer (MDB) ao poder, houve uma grande perda na política que fortalecia a atividade pesqueira e a seguridade ambiental. Os retrocessos nos direitos dos pescadores têm sido levados adiante pelo sucessor de Temer, o presidente Jair Bolsonaro.

De acordo com Severino, com as mudanças realizadas na legislação, áreas de proteção ambiental serão impactadas. Também conselhos de participação popular na gestão dos espaços ambientais serão dissolvidos até junho. “Esse atual governo destitui grande parte da política construída até hoje”, afirma.

Severino também cita o apoio irrestrito a grandes empreendimentos e a total submissão aos interesses do setor de turismo devem trazer impactos para o meio ambiente e as comunidades pesqueiras. Por isso, o pescador e educador defende “a necessidade de uma articulação mais proativa” por meio da unidade política entre movimentos de lutas rurais e urbanas para barrar medidas que retrocedam nos direitos dos trabalhadores, como a Reforma da Previdência: “Os retrocessos vão vir para todo mundo”, salienta.

Fonte: Brasil de Fato
Imagem: Mar Sem Fim (Itapissuma)

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Morte de 1.200 golfinhos deixa pescadores e ativistas em guerra na França.

LA ROCHELLE, França - Na madrugada de um sábado recente, a tripulação da traineira de pesca L'Arlequin II puxou a rede em forma de cone do Golfo da Biscaia e encontrou centenas de robalos. E os corpos de dois golfinhos mortos.

Golfinho preso numa rede de pesca do barco L'Arlequin II, no Golfo da Biscaia

Essas cenas se tornaram muito comuns: 1.200 golfinhos foram arrastados na costa atlântica da França desde janeiro, a maioria deles com ferimentos que sugeriam que os mamíferos morreram depois de ficarem presos em redes de pesca. Um recorde.

Para cada carcaça que acaba em uma praia, várias outras se deterioram no mar, dizem os biólogos, o que sugere que cerca de 6 mil dos 200 mil golfinhos comuns que vivem na baía podem ter morrido em menos de quatro meses por causa da pesca.

Assim, uma questão inquietante paira sobre as cidades portuárias que pontuam a costa que vai da Bretanha ao País Basco, e sobre suas centenas de navios de pesca, sem resposta clara. Por que tantos golfinhos estão morrendo agora?

A maioria das pessoas concorda que a pesca é responsável, mas o consenso para aí. Os pescadores afirmam que as capturas não intencionais, também conhecidas como capturas acidentais, permanecem incomuns, se não excepcionais, enquanto os cientistas alertam que os navios de pesca representam agora uma grande ameaça para os golfinhos.

Ativistas de um grupo ambientalista, a Sea Shepherd Conservation Society, acabaram de concluir um trabalho de dois meses para documentar as mortes e suas causas.

—É uma realidade não documentada que se desdobrou no mar e longe dos olhos do público — afirmou Justin Barbati, um voluntário de 27 anos, enquanto dirigia um barco inflável mais perto do L'Arlequin II, onde os pescadores arrastavam os corpos dos golfinhos a bordo.

Essa nova presença deixa os pescadores locais se sentindo injustamente alvos.

— Que a Sea Shepherd lute contra caçadores de baleias no Japão, tudo bem, mas nos seguirem enquanto estamos trabalhando e nos perseguirem, os pequenos e decentes pescadores, porque alguns de nós, às vezes, pegam golfinhos? É desproporcional — disse Jean Lagarde, 75 anos, conhecido como o pescador mais antigo de La Rochelle, enquanto limpava a tinta preta de sua embarcação em uma tarde recente.

O Golfo da Biscaia, um vasto golfo a oeste da França e ao norte da Espanha, há muito tempo é um paraíso para os golfinhos, por ser repleto de cardumes de sardinha, arenque e outros peixes que eles comem.

Os pescadores têm historicamente coabitado com golfinhos. Ultimamente, eles dizem ver muitos exemplares da espécie. A maioria dos pescadores não tem que procurar muito em seus smartphones para reproduzir vídeos de golfinhos girando em torno de suas embarcações.

Biólogos do Observatório Pelagis, fundado pelo governo, em La Rochelle, observaram pela primeira vez um pico de golfinhos nas praias em 2017, quando 1.200 deles foram encontrados mortos na costa francesa, seguidos por mais 900 em 2018.

Nos primeiros quatro meses deste ano, o número já supera os totais anuais que estavam entre os mais altos em 40 anos, disse Olivier Van Canneyt, que dirige o observatório.

— No dia em que nossos estudos mostrarem que a população de golfinhos diminuiu na baía, será tarde demais —disse Van Canneyt.

Autópsias atribuem 90% das mortes à pesca

As autópsias realizadas pela equipe de Van Canneyt atribuíram 90% das mortes de golfinhos a atividades de pesca. Eles descobriram que a maioria tinha morrido de asfixia, muitas vezes com o estômago cheio, indicando que eles estavam se alimentando quando ficaram presos debaixo d'água.

Muitos tiveram escoriações ou cortes causados por redes de pesca, disse Willy Dabin, que monitora os encalhes de golfinhos para o observatório.

— Alguns pescadores também danificam muito os corpos para não danificar suas redes — disse ele, na câmara frigorífica do instituto, mostrando um golfinho morto que havia sido cortado.

Como o golfinho comum é uma espécie protegida, os pescadores não podem trazer os corpos para terra, então jogam as carcaças no mar e a maioria das capturas acidentais permanece invisível, acrescentou Dabin.

Representantes de pescadores argumentam que o número de embarcações na baía, de até 600 no inverno e na primavera, não mudou nos últimos anos. As embarcações também são iguais, assim como a quantidade de peixes que pescam, segundo Julien Lamothe, chefe de uma organização de pescadores em La Rochelle.

— Todo pescador já teve que lidar com capturas acidentais, um dia ou outro. Esses são eventos chocantes que eles estão tentando evitar. Apanhar golfinhos não é o trabalho deles disse Lamothe.

Mas, como resultado das recentes restrições à captura de linguado, um peixe que vive no fundo, alguns barcos de pesca têm usado redes mais altas para capturar outras espécies, o que pode ter resultado em mais capturas acidentais de golfinhos, dizem os cientistas. Alguns têm redes de dezenas de quilômetros de comprimento.

Redes de pesca são ameaças em todo o mundo

De botos no México a golfinhos no rio Yangtze, na China, a captura acidental é “a maior ameaça aos mamíferos marinhos em todo o mundo”, de acordo com a Marine Mammal Commission, uma agência do governo americano. A maioria é de espécies longevas que se reproduzem lentamente: os golfinhos comuns do Golfo da Biscaia tornam-se sexualmente maduros aos 8 anos e podem viver até aos 25 anos, e as fêmeas dão à luz a cada três anos, em média.

Os ativistas da Sea Shepherd, a maioria deles voluntários, patrulham a baía a bordo do navio do grupo, o MV Sam Simon, procurando por traineiras de pesca e golfinhos mortos. Um repórter do New York Times e um fotógrafo juntaram-se a eles por um dia.

— Esta campanha é sobre observação a longo prazo; estamos fazendo o que o governo francês deveria fazer — disse Barbati, um biólogo que avalia os estoques de salmão para o governo canadense.

Lamya Essemlali, chefe da filial francesa da Sea Shepherd, tem defendido observadores e câmeras mais independentes a bordo de embarcações de pesca para evitar a captura acidental.

— As capturas acidentais são a primeira ameaça aos mamíferos marinhos, e os pescadores lançam suas redes bem no meio de seu habitat natural. Como podemos chamar essas capturas de acidentais? — disse Essemlali a bordo do MV Sam Simon .

A única solução a longo prazo, disse ela, seria a proibição na área de métodos de pesca que coletam indiscriminadamente quaisquer criaturas que estejam no mar. Mas isso ameaçaria a subsistência de centenas de pescadores e economias de suas cidades.

Dispositivos sonoros podem ser a solução para afastar os golfinhos das redes

O governo francês levantou um possível compromisso de curto prazo. O ministro da Ecologia, François de Rugy, disse que apoiaria a pesquisa em dispositivos acústicos que prendem às redes de pesca e fazem sons que afastam os golfinhos. Um estudo descobriu que, nos navios que usam os dispositivos, a pesca acidental diminuiu em 65%.

Mas os cientistas e Essemlali argumentam que os repelentes acústicos, conhecidos como “pingers”, excluiriam os golfinhos de um habitat importante e geralmente seguro.

E eles nem sempre funcionam; a traineira L'Arlequin II usa “pingers”. Dois dias antes de o navio prender os golfinhos em sua rede, seu capitão, Charles Le Moyec, disse que desde que ele começou a usar os aparelhos, ele não pegou mais golfinhos.

—Também não gostamos quando matamos golfinhos, mas até agora os “pingers” funcionaram bem — disse Le Moyec em sua cabana, enquanto sua tripulação descarregava dezenas de caixas de pescada congelada no cais de La Rochelle.

Dois dias depois, dois golfinhos mortos estavam em sua rede, perto dos repelentes acústicos. Depois disso, Le Moyec insistiu que era a primeira vez que pegava um golfinho este ano, acrescentando que se sentia atormentado pela Sea Shepherd, cujos voluntários o seguiram pela baía durante horas a fio.

Ao longo das dezenas de cabanas de pesca e garagens azuis, amarelas e vermelhas no porto de La Rochelle, muitos pescadores ecoaram a frustração de Le Moyec, dizendo que a Sea Shepherd queria tratar a pesca como um crime.

— Nunca vimos tantos golfinhos nas águas e a Sea Shepherd acusa-nos de ser assassinos. E quanto aos enormes navios da Holanda ou da Espanha — disse Lagarde.

Esses também estão no radar da Sea Shepherd. Quando o grupo encerrou sua campanha no mês passado, Essemlali disse que voltaria à baía no próximo inverno.

— No Golfo da Biscaia, os golfinhos são predadores e a indústria pesqueira os transforma em presa. Podemos discutir o que precisa ser feito, mas isso deve parar. Ponto final — afirmou Essemlali.

Fonte: O Globo
Imagem: Andrea Mantovani/The New York Times


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