quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Baleias Sardinheiras: vítimas de concorrência desleal
por Fabio Olmos
Com o fim do inverno, águas carregadas com nutrientes penetram sobre a plataforma continental do sudeste do Brasil até bem perto da costa. A combinação de nutrientes com águas claras é tudo que o fitoplâncton quer e essa é uma época em que a cadeia alimentar marinha é turbinada.
Na esteira do fitoplâncton vem o zooplâncton e, atrás deste, diversas espécies de peixes, com destaque para a sardinha-verdadeira (Sardinella brasiliensis), encontrada entre o Cabo de São Tomé (RJ) e o Cabo de Santa Marta (SC). Cardumes deste peixe surgem sobre a plataforma continental para se alimentar e desovar. Como outros peixes de seu grupo, sardinhas vivem pouco (2-3 anos) e são muito férteis, o que é bom, considerando que são a presa principal de um grande número de predadores, de atuns e tubarões a golfinhos e atobás.
Talvez o mais impressionante predador de sardinhas seja a Baleia de Bryde Balaenoptera brydei, um parente menor (chega a 12-15 m) da famosa Baleia Azul. Brydes são uma das espécies menos conhecidas de baleias e, de fato, podem ser mais de uma espécie, já que existem “formas” costeiras e pelágicas com diferenças morfológicas, ecológicas e genéticas. Esse é um mistério ainda sendo estudado.
A Brydes já foi registrada ao longo de praticamente todo o litoral brasileiro mas parecem ser especialmente encontradiças no litoral de São Paulo e Rio de Janeiro.
Ali são frequentes as observações de baleias, incluindo mães com filhotes, alimentando-se de sardinhas e outros peixes do grupo nas proximidades das ilhas costeiras da região, como a Laje de Santos, Alcatrazes e Ilhabela com seus satélites, Búzios e Vitória.
Além do fato de estarem presentes no litoral sudeste durante todo o ano e que comem pequenos peixes e camarões (aviú Acetes americanus), sabemos pouco sobre as Brydes. Entretanto, é evidente que sardinhas são um componente importante de sua dieta, o que causa preocupação pois há uma concorrência desleal entre pescadores e baleias.
Sardinhas já foram extremamente comuns no litoral brasileiro e sustentaram uma indústria que minerou as populações da espécie como se não houvesse amanhã. A velha história da tragédia dos comuns combinada à tradicional irresponsabilidade do setor pesqueiro levaram ao colapso dos estoques de sardinha durante as últimas décadas.
Após um tombo na produção em 1990 e a imposição de defesos e tamanhos mínimos, a produção saltou para 117 mil toneladas em 1997, mas o afrouxamento das regras de defeso e desembarque (cortesia de pressões políticas) levou a novo colapso, com apenas 17 mil toneladas desembarcadas em 2000.
Com a volta dos defesos (baseados em pesquisas e da fiscalização) a população de sardinhas está lentamente se recuperando, embora esse seja um processo frágil em um país onde o Ministério da Pesca não parece interessado em sustentabilidade e o setor pesqueiro prima por explorar populações animais até seu esgotamento.
Junto com a gradual volta das sardinhas, o espetáculo das Brydes junto às ilhas de São Paulo e Rio pode ser apreciado por quem visita a região. Um dia, quem sabe, poderemos ter no litoral paulista-fluminense um turismo organizado de observação de baleias semelhante ao de Santa Catarina.
Proteger as baleias e o estado lamentável dos “recursos pesqueiros” (peixes, crustáceos e moluscos não são considerados fauna no Brasil) são razões suficientes para que a pesca comercial como os sardinheiros e os absurdos arrastos e parelhas que saqueiam a região (com destaque para as de Santa Catarina), fossem banidos de operar no entorno de Ilhabela, Búzios, Vitória, Montão de Trigo e Alcatrazes. Essa não é uma idéia nova e sua aplicação efetiva poderia ser incorporada no manejo da APA Marinha do Litoral Norte, que já inclui boa parte da região. Não seriam apenas as baleias que agradeceriam.
Fonte: O ECO
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