quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Opinião: Iguais a Sandy


Por Mário Moscatelli

Mais uma vez tentaram destruir Nova York. Só que desta vez quase que a Natureza conseguiu.

Pois é, a cidade mais famosa dos EUA foi assolada pela tempestade Sandy, ou tempestade perfeita, onde tudo que tinha de dar errado deu. Os prejuízos econômicos, sem falar nos desabrigados e mortos, ronda os 70 bilhões de dólares, por enquanto, e aí a questão climática, junto com o que aconteceu com o furacão de categoria 5 denominado Katrina, começa a chamar a atenção dos mais céticos em relação a tal mudança climática.

Isso me faz lembrar que, até os anos 50 e 60, os norte-americanos, principalmente no estado da Flórida, praticamente extinguiram as formações de mangue banhados pelo Golfo do México, em detrimento de marinas, loteamentos, crescimento de áreas portuárias e industriais diversas. Tudo ia muito bem, até quando a indústria pesqueira que gera milhares de empregos e milhões de dólares percebeu que trabalhava cada vez mais para pescar cada vez menos. Estuda daqui, estuda de lá, foi quando o ecólogo Eugene Odum, fazendo seu célebre estudo de teia alimentar na região, chegou a conclusão de que os mangues eram a base da cadeia de detritos alimentares que sustentavam toda a biodiversidade e consequentemente a atividade pesqueira.

Desde então, a supressão de mangues regrediu absurdamente, e atividades de renaturalização de rios e recuperação e criação de mangues foram incrementadas em toda a costa. Resumo da ópera: quando bateu no bolso, a proteção aos manguezais se tornou política de estado e interesse do setor público diretamente ou indiretamente interessado.

Outro caso mais recente é o que eu li numa publicação do final do século passado, associado a um estudo “confidencial” elaborado pelo Pentágono que em resumo informava aos futuros potenciais presidentes que terrorismo era café pequeno em comparação ao que as mudanças climáticas iriam gerar ao nível de prejuízos econômicos e de conflitos mundiais nos próximos cinqüenta anos.

Usei muito esse estudo em minhas aulas de gerenciamento de ecossistemas, onde eu era visto muitas vezes como um simpático lunático alarmista por alguns alunos descrentes do processo de desestabilização climática em andamento.

De 2000 para cá tivemos no atacado duas grandes guerras que consumiram trilhões de dólares para a felicidade da indústria bélica e do petróleo, milhares de mortes humanas associadas aos conflitos, ao menos duas crises financeiras globais (uma delas ainda em andamento), o furacão Catarina no litoral catarinense, o Katrina no Golfo do México, o quase desaparecimento da Região Serrana do estado do Rio de Janeiro e sei lá mais quantos desastres climáticos que demonstram aos céticos intencionais e aos “burrocionais” que os cinqüenta anos esperados para as tais mudanças climáticas já estão aí, matando, desabrigando e criando prejuízos bilionários para a economia de consumo, base de nossa atual civilização.

Imaginem mais umas duas tempestades ao custo básico de 70 bilhões de dólares por ano! Pois é, a conta da bárbarie humana está chegando. Só quem parece não ter notado a chegada da conta foi o juiz que extinguiu a ação proposta pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro, que em resumo se deu por satisfeito com os progressos ocorridos mais recentemente no famigerado PDBG (Programa de Despoluição da Baía de Guanabara).

A miopia da atual decisão, para a qual ainda cabe recurso, chega à cegueira. Neste contexto cultural onde aos amigos, os afagos e aos inimigos, a lei, parece que o UM BILHÃO DE DÓLARES e uns trocados que escoaram pelo ralo dos apelidados recentemente “equívocos técnicos“ não terão maiores consequências para os então administradores da fortuna pública que gerou nada em melhorias ambientais.

Da mesma forma que nosso Judiciário absolveu de culpa todos os responsáveis pelo derrame de UM MILHÃO E QUATROCENTOS MIL LITROS DE ÓLEO na Baía de Guanabara em 2000, a mesma linha indulgente continua predominando no Judiciário quando o assunto é meio ambiente.

Dessa forma vamos empurrando com a barriga todo o caos ambiental, dominante na Baía de Guanabara, quase que esperando que um milagre divino ocorra nos próximos três anos, pois o tempo passa, o tempo voa, e nada de melhoria efetiva nas latrinas nas quais eu trabalho e monitoro.

Pois é, e 2016 já está aí, na cara de todo mundo, e continuamos com aquela mania de empurrar com a barriga até o ponto de perdermos intencionalmente o “bonde do tempo” e o “bonde da história”, e aí já era a possibilidade de resolvermos pelo menos em parte os problemas ambientais que se arrastam e crescem ano após ano.

Enquanto eu filosofo no meio do lixo e da caca, os pescadores que se aventuraram na lagoa de Marapendi — que, além de APA, também será parque, criando aquela mais do que conhecida superposição de unidades de conservação que no final das contas não resolve PN — me informam que mais umas cinco toneladas de peixes morreram entre os dias 3 e 5 de novembro. Os mesmos pescadores me informam que durante a noite, sempre de noite, no Canal de Marapendi, bem próximo da lagoa de mesmo nome, uma torrente de merda escoou durante dois dias lambendo de caca toda a região.

Idiotas são as savelhas, robalos, siris e tainhas que insistem em sobreviver próximo do tal Homo tão pouco sapiens.

Fonte: Jornal do Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário

As postagens mais populares da última semana: