terça-feira, 25 de setembro de 2012
Miniaturas expõem arte e primor do velho jangadeiro
Reconhecido como Mestre da Cultura Popular, José Pereira de Oliveira, 87 anos, ainda produz todos os dias
O artesão começou a produzir os objetos com 50 anos, quando não pôde mais pescar
Aquiraz No manuseio de pequenas madeiras de timbaúba, o ancião chega a assemelhar-se a uma criança, construindo um novo brinquedo. Mas, numa análise mais atenta, observa-se o peso da maturidade, que se manifesta na meticulosidade dos detalhes, precisão de símbolos justapostos e graciosidade do produto. Trata-se do artesão José Pereira de Oliveira, 87, uma das personalidades cearenses agraciadas com o título de Mestre da Cultura Popular, nascido e criado na Prainha, litoral de Aquiraz.
Apesar da idade, Oliveira não abre mão de seu trabalho artesanal todos os dias. As réplicas das jangadas são de quase todos os tamanhos. No entanto, o encantamento é maior entre as miniaturas, as mais procuradas por turistas e comerciantes que lidam com os souvenirs e objetos de decoração de ambientes.
O ofício de artesão começou quando já não mais podia pescar, por conta de uma doença que comprometeu sua visão. Como nos tempos de criança, costumava fabricar pequenas jangadas para brincar no Rio Maceió, que desemboca naquele trecho do Litoral Leste do Estado.
Chegou a cursar até a quarta série, mas teve que interromper os estudos com a morte do pai. Assim como os irmãos, foi buscar a subsistência no mar. "Eu podia ter tentado a agricultura. Mas, os homens da minha família eram pescadores e eu segui esse ofício", conta.
Juventude
Nos tempos de sua juventude, a principal fonte de subsistência era a pesca, obtida com a jangada, que singrava o mar sempre na incerteza de se haveria boa pesca, ou até mesmo se a embarcação resistiria às mudanças súbitas de humor das marés. Assim, continuou pescador até os 50 anos de idade, quando ficou doente e não pôde mais ir ao mar. Para sustentar a mulher e os oito filhos, lembrou-se da antiga brincadeira de produzir jangadas. Daí que começou a vender, ser procurado por comerciantes de artesanato e ganhou fama pela qualidade de seus trabalhos.
Oliveira mora na Rua Damião Tavares, onde criou os filhos e, ainda hoje, boa parte dos netos. Na Prainha, via a transformação radical pela qual o lugar passou.
De uma antiga aldeia de pescadores e referência maior da mulher rendeira para uma praia com uma ocupação desordenada e com o setor imobiliário valorizado. Com isso, a pesca, renda de bilro e outros manifestações artesanais foram postas de lado e, até mesmo, negligenciadas pelas novas gerações.
Identidade
O dano maior, conforme avalia, se deu nas pessoas do lugar, da perda da identidade simples. "É triste ver os jovens envolvidos na droga e na prostituição. Mais triste é saber que existe solução para essas pessoas, que é o trabalho", afirma. Oliveira não apenas trabalha para ocupar o tempo, mas porque é consciente de que o primor do que se faz pode ser sempre melhorado.
Com o titulo de Mestre da Cultura, ganha um salário mínimo por mês. Além disso, recebe ajuda dos filhos, mesmo aqueles que moram distante e em outros Estados. Ainda se reúnem todos os anos em torno do patriarca.
Legado
"Meu legado maior foi a criação de meus filhos. Mais do que um pai, procurei ser um educador rígido, ensinando pelo diálogo e o exemplo. E assim formei uma família num alicerce forte", diz o artesão, lembrando que ainda sente muita falta da esposa, Auristide da Costa Olivera, com quem viveu 58 anos. Ela faleceu há menos de dois anos.
Para o jornalista e pesquisador da cultura popular, Gilmar de Carvalho, é justo o reconhecimento que se faz a Oliveira. "Fui convidado pela Secult para escrever sobre os mestres", conta. Gilmar lembra que ficou comovido com a delicadeza com que o artista faz as miniaturas.
"Difícil para um homem da idade dele manter a precisão do corte, as minúcias dos detalhes e dar forma a este mundo da pesca artesanal, que está em extinção, infelizmente", ressalta. Na opinião de Gilmar de Carvalho, Oliveira é um grande artesão, pois ajuda a preservar a memória das velhas jangadas de piúba, aquelas que são cantadas em prosa e verso, desde José de Alencar.
"Ele trabalha com a precisão de um relojoeiro, com a perícia de um cirurgião, e nos leva a um mundo encantado, que é trabalho e jogo, vida e brinquedo", destaca. Observa que o reconhecimento veio, em parte, por conta do título de mestre, que ainda é pouco para a grandeza do que José Pereira de Oliveira ele faz.
RECONHECIMENTO
"Ele trabalha com a precisão de um relojoeiro, a perícia de um cirurgião, e nos leva a um mundo encantado"
Fonte: Diário do Nordeste
Gilmar de Carvalho
Jornalista e pesquisador
MARCUS PEIXOTO
REPÓRTER
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