Em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), eles disseram que a MP marginaliza os pescadores e retira direitos históricos dos trabalhadores do setor.
Integrante do pacote de ajuste fiscal do
governo, a MP 665/2014 impõe:
- carência de três anos, contra o período atual de um ano, para acesso ao seguro no período de defeso;
- limita o pagamento do seguro a cinco parcelas, mesmo quando a proibição da pesca é de seis meses;
- proíbe os pescadores de receber dois benefícios simultâneos, como o seguro e a bolsa-família;
- transfere a execução do seguro-defeso do Ministério do Trabalho para a Previdência Social; e
- impede categorias envolvidas na cadeia produtiva da pesca de receber o benefício, a exemplo dos envolvidos na seleção de mariscos e na fabricação de instrumentos artesanais usados na atividade, geralmente produzidos pelas mulheres dos pescadores.
Os representantes dos pescadores disseram ainda que a MP relaciona-se a outras ações do governo que limitam seus direitos, como o Decreto 8.425/2015, que regulamenta o parágrafo único do artigo 24 e do artigo 25 da Lei 11.959/2009. O decreto define os critérios para inscrição no Registro Geral da Atividade Pesqueira, existente desde 1938, e para a concessão de autorização, permissão ou licença para o exercício da atividade pesqueira.
O senador João Capiberibe (PSB-AP) disse
que a medida tem "tirado o sono" dos pescadores. Ele afirmou que são
pontuais as irregularidades verificadas no pagamento do seguro-defeso
pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que identificou o recebimento do
beneficio por pessoas que não se enquadravam na atividade pesqueira.
Foi identificado um rombo de R$ 19 milhões, pagos a pessoas que já
estariam mortas ou que eram inabilitadas para exercer a atividade. O
governo determinou o corte no pagamento do beneficio, e alegou que o
valor do desvio é “infimo”, pois representa 0,005% da execução total do
seguro pelo Ministério do Trabalho, explicou o senador.
— O fato é que as enormes distâncias e a
burocracia podem tornar inacessível o recebimento [do benefício] por
pescadores, inviabilizando direitos e favorecendo desastres ambientais.
Exigir que os pescadores que recebam tal benefício sejam exclusivamente
pescadores é inadmissível — afirmou.
Subsistência
O representante do Conselho Pastoral dos
Pescadores, Raimundo Marcos Souza Brandão da Silva, disse que o
seguro-defeso é fundamental para garantir a subsistência dos
pescadores.
— Como os pescadores vão sustentar suas
famílias ao longo do período extenso de pesca proibida pelo Estado? Isso
implica colocar os pescadores em situação de marginalidade, pois eles
serão obrigados a exercer a atividade de forma contrária à lei. Vai
trazer criminalização e sofrimento social, o que não é admissível, não é
razoável. Foi uma alteração irresponsável na legislação, sem nenhum
tipo de conhecimento de como funciona a sociedade e as necessidades dos
trabalhadores — afirmou.
Josana Serrão Pinto, coordenadora da
Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), disse que as mudanças
propostas na medida provisória trazem discriminação e preconceito.
— A nossa luta é por liberdade, não por
opressão; é por direito, não por discriminação. Para quem tem, um
salário mínimo não faz falta. Mas, para nós, faz muita falta — afirmou.
Manoel Bueno dos Santos, do Movimento
dos Pescadores e Pescadoras, afirmou que os pescadores artesanais não se
sentem representados pela confederação nacional única da categoria. Ele
disse que 70% do peixe consumido pelo brasileiro vêm da pesca
artesanal.
— Isso precisa ser levado em
consideração. A única coisa que queremos é continuar trabalhando, e que
mude um pouco esse modelo de desenvolvimento cruel, muito cruel, que
substituiu as áreas de pesca por estaleiros, gasodutos e petroleiros —
afirmou.
Carlos Alberto Pinto dos Santos,
secretário-executivo da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas
Extrativistas e Povos Tradicionais (CONFREM), ressaltou que o governo deve
considerar o alcance da pesca artesanal antes de definir marcos legais.
— [O governo] ignora conceitos de povos
tradicionais, da cultura ancestral do repartir, trocar, permutar. O
pescador também planta, colhe, beneficia mandioca, batata e ainda tem
suas criações. Este modelo que estão impondo a nós está nos fadando à
extinção. A quem interessa o enfraquecimento da pesca artesanal? Será
que aos aquicultores, para nos ter como mão de obra barata? O Brasil
está avançando para o primeiro mundo, mas está jogando no lixo as
culturas que formaram essa nação — afirmou.
Por sua vez, o secretário-executivo do
Ministério da Pesca e Aquicultura, Clemerson José Pinheiro da Silva,
lembrou que o recurso pesqueiro é um bem público, e que para fazer uso
dele tem que haver concessão do Estado.
— O que mais se coloca como sendo
violação ao direito é a falta de reconhecimento das comunidades
tradicionais. Há um conjunto de medidas contraditórias e a não
observação das leis que garantem direitos às comunidades tradicionais
dentro do processo de definição de critérios. É o grande problema que
esta havendo — afirmou.
Pesca industrial
Na segunda mesa de debates, o
pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA), Valci Santos, disse
que a categoria dos pescadores é discriminada na elaboração de políticas
publicas, mais articuladas à pesca industrial. Ele relatou que 85% do
pescado comercializado na Amazônia sofreu decréscimo em função da
barragem de Tucuruí, e que os conflitos pelo acesso pesqueiro atingem
níveis cada vez mais alarmantes, causando às vezes até morte.
Pesquisador de políticas publicas,
Uelton Fernandes, disse que a edição da medida provisória pelo governo é
um equívoco. Ele considerou que o tema diz respeito às populações mais
pobres, que deveriam ser ouvidas antes de qualquer alteração na
legislação, sob a justificativa do ajuste fiscal.
— Os pescadores entraram como gaiatos
nessa história. O grande objetivo era fazer o ajuste do
seguro-desemprego em função da conjuntura econômica. Eles incluíram os
pescadores com a visão equivocada do seguro-defeso. Tratam o
seguro-defeso como um seguro-desemprego do pescador. E aí tenta fazer
uma série de ajustes no mesmo molde do seguro-desemprego. Qual é a
natureza do seguro-defeso? Sem resolver isso não se resolve a questão —
afirmou.
Para a secretária-executiva do Conselho
Nacional da Pesca (CONAPE), Roseli Zerbinato, o ideal é que a lei fosse
esmiuçada para os pescadores antes de sua publicação.
Por sua vez, a subprocuradora-geral da
República, Débora Duprat, criticou a proposta, e disse que o governo não
levou em conta a cultura dos povos tradicionais na edição da medida
provisória.
— Eles não foram ouvidos, e a medida
provisória peca por fazer com que uma medida de natureza indenizatória
seja vista como beneficio previdenciário. O que a medida provisória faz é
confundir identidade e atividade. A mulher pescadora entra na realidade
do pescado. Ao excluir a mulher que trabalha na cadeia produtiva da
pesca, a MP nega a sua identidade — afirmou.
Débora Duprat comprometeu-se a
encaminhar à comissão encarregada de apreciar a medida provisória uma
nota técnica sobre a necessidade de observar a Convenção 169, da
Organização Internacional do Trabalho (OIT). O instrumento, ratificado
pelo Brasil em 2004, determina que as comunidades indígenas, quilombolas
e populações tradicionais, como os pescadores, sejam ouvidas antes da
adoção de qualquer medida legislativa ou administrativa.
No final da audiência publica, diversos
pescadores, sobretudo da Bahia narraram casos de violência, perseguição e
invasão de terras, entre outros. Eles também apontaram prejuízos
causados em suas comunidades pelas indústrias do petróleo e de papel e
pela expansão de atividades agrícolas. Uma integrante do quilombo Rio
dos Macacos entregou a Capiberibe documento em que cobra providência
contra desmandos praticados na região.
Requerimento
De acordo com requerimento de auditoria
do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), encaminhado ao TCU em 2014,
o seguro-defeso custou R$ 2,4 bilhões aos cofres públicos no ano
passado - valor 32% maior do que o montante desembolsado em 2013, de R$
1,8 milhão. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
indicou que em 2010, em todo o país, 584,7 mil pessoas receberam ao
menos uma parcela do seguro-defeso. No entanto, segundo censo do mesmo
período, havia apenas 275,1 mil pescadores artesanais no Brasil. Ainda
segundo o estudo, as discrepâncias geraram uma espécie de sobrecusto no
valor de R$ 638,4 milhões (valor corrente em 2010).
De acordo com o requerimento, o
Ministério do Trabalho e Emprego alegou que o aumento no repassado em
2014 teve causa no reajuste de 6,78%, com expectativa de crescimento do
número de pescadores em 4,74%. De 2002 para 2013, o universo de
potenciais beneficiários do seguro-defeso aumentou consideravelmente,
passando de 91,7 mil favorecidos para 714 mil.
Fonte: Agência Senado
Para saber mais e opinar, acesse os documentos relacionados em: Audiência Pública - 27/04/2015
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