“Em vez de aplicar leis mais restritivas, visando a qualidade de vida humana e saúde ambiental, países em desenvolvimento como o Brasil estão afrouxando as regras para empresas poluidoras. Como consequência, impactos e desastres ambientais são frequentes, o que acelera a perda da biodiversidade e de oportunidades de desenvolvimento sustentável”.
A afirmação, do oceanólogo capixaba Hudson Pinheiro, consta no artigo “Esperança e desafios para os ecossistemas marinhos mundiais” (Hope and doubt for the world's marine ecosystems, no original em inglês), publicado em dezembro passado na versão digital da revista Perspectives in Ecology and Conservation, cuja edição impressa será lançada este ano.
O artigo traz uma análise do cumprimento dos compromissos firmados por 140 nações, incluindo o Brasil, signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
O tratado internacional estabelece o dever de cada um dos países em reduzir a perda da biodiversidade e promover o uso sustentável de recursos naturais, reforçando assim o 14º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa a adoção de medidas para preservar e usar de forma sustentável oceanos, mares e recursos marinhos até 2020. Contudo, adverte o autor, “diante da atual crise da biodiversidade, os objetivos são ousados”.
Mestre em Oceanografia, doutor em Ecologia e Evolução, cientista da Academia de Ciências da Califórnia e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, Hudson observa que, atualmente, prevalece a visão dos governantes de resultados imediatos, voltados para a manutenção dos favorecimentos a grandes empresas e conglomerados industriais com elevado potencial poluidor. “Os técnicos dos órgãos ambientais estão com muita vontade de fazer. Mas os gestores, que decidem as políticas, não”, aponta.
“E cada vez que acontece impacto ambiental, acontece perda de biodiversidade, e também perda do potencial de desenvolvimento sustentável”, diz, citando, como exemplos vindos do Espírito Santo, a contaminação de todo o litoral capixaba pela lama de rejeitos da Samarco/Vale-BHP e o lançamento de esgoto in natura nas praias da Grande Vitória.
Os recursos naturais marinhos estão cada vez menos disponíveis no mundo, informa o cientista. “O Brasil ainda tem uma disponibilidade grande, mas corre o risco de perdê-la, devido ao afrouxamento da legislação”, alerta.
Áreas protegidas
No artigo, Hudson destaca a importância das unidades de conservação marinha (UCM), consideradas uma das melhores estratégias para a conservação da biodiversidade e sustentabilidade dos recursos marinhos, “pois envolve o manejo a nível de ecossistema”.
A criação e manejo dessas UCMs, no entanto, encontra sério obstáculo na visão estreita dos gestores, pois geralmente elas estão localizadas em áreas de conflitos de interesses com indústrias e grandes empresas exploradoras de riquezas minerais, entre outras atividades econômicas poluidoras. “Ambientes costeiros como mangues, recifes de coral e costões rochosos são os mais vulneráveis”, sublinha.
Território pesqueiro tradicional
O manejo pesqueiro e o controle da sobrepesca são vistos como um dos principais objetivos do ODS 14, relata Hudson. E uma estratégia eficaz nesse sentido, destaca, é a valorização da pesca artesanal e o controle de atividades pesqueiras destrutivas, que causam danos aos ecossistemas e que não possuem seletividade nas capturas.
“Entretanto, muitos países, incluindo o Brasil, caminham em sentido contrário, criando subsídios para pesca industrial e removendo benefícios de pescadores de pequena escala”, denuncia.
O estabelecimento de territórios tradicionais de pesca, onde somente pescadores locais possam pescar, é uma ação fundamental, ressalta o pesquisador. "Pois tornaria mais fáceis o manejo e o controle do esforço de pesca, incluindo o ordenamento e a fiscalização da captura de espécies ameaçadas de extinção e tamanhos mínimos de capturas".
Rastros globais de destruição
A falta de sustentabilidade nas decisões governamentais deixa rastros globais de destruição, três deles destacados no artigo: a ingestão de plásticos, que tem causado a morte de milhares de animais marinhos anualmente; o aquecimento dos oceanos, que tem causado o branqueamento e a morte de ecossistemas de coral em todo o mundo; e as dragagens periódicas de portos, que despejam toneladas de sedimento sobre os ambientes costeiros, soterrando grandes áreas de habitats naturais.
Esperança
Diante da prevalência das atitudes predatórias sobre os mares, a “esperança” destacada no título do artigo vem de iniciativas como o brasileiro Projeto Tamar – que tem no Espírito Santo seis das suas 26 bases, centros de pesquisa e de educação ambiental – referência mundial em conservação de recursos marinhos, com participação efetiva dos pescadores artesanais.
“Cientistas, cidadãos e tomadores de decisão precisam trabalhar juntos para multiplicar essas iniciativas positivas e reforçar a esperança para a conservação e sustentabilidade da biodiversidade e ecossistemas marinhos no Brasil e no mundo”, sugere o cientista.
A educação ambiental é outra peça-chave para reverter o quadro de perda de biodiversidade marinha, considerando que grande parte da população vive próximo às zonas costeiras e, por isso, precisa se engajar “na luta para a manutenção de sua própria qualidade de vida e dos serviços ecossistêmicos providenciados pelos oceanos”, diz.
Fonte: Século Diário
Imagem: Mauricio Düppré
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