sexta-feira, 3 de agosto de 2012
Detalhes da reprodução dos moluscos cefalópodes são revelados
Em artigo de capa publicado no periódico Journal of Morphology, pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP) descreveram detalhes até então obscuros do processo reprodutivo de moluscos cefalópodes, classe de animais marinhos a que pertencem os polvos, as lulas, as sépias e os náutilos.
A pesquisa foi feita com lulas da espécie Doryteuthis plei, coletadas no litoral de São Sebastião, em São Paulo, durante o doutorado de José Eduardo Amoroso Rodriguez Marian, com Bolsa da FAPESP, orientado pelo professor Osmar Domaneschi (in memoriam) e pela professora Sônia Godoy Bueno Carvalho Lopes.
“As lulas e os demais cefalópodes entram na fase reprodutiva no fim do ciclo de vida. Durante a cópula, os machos transferem seus gametas para as fêmeas por meio de um braço modificado conhecido como hectocótilo”, disse Marian.
Os espermatozoides são transferidos dentro de cápsulas chamadas espermatóforos, explicou o pesquisador. Essas estruturas são produzidas continuamente pelo macho quando ele atinge a maturidade sexual e ficam armazenadas no saco espermatofórico. A cada cópula, algumas dezenas de cápsulas são transferidas para as fêmeas.
“Já se conhecia esse processo, mas não se sabia por que os cefalópodes possuíam espermatóforos tão complexos. Para alguns autores, são as estruturas reprodutivas mais complexas do reino animal”, disse Marian.
Ao perceber a carência de trabalhos na área, Marian decidiu focar sua pesquisa de doutorado, que havia começado com tema mais amplo, no entendimento da estrutura e do funcionamento dos espermatóforos.
“Acreditava-se anteriormente que os machos desempenhavam um papel mais ativo na transferência de espermatozoides. Mas mostramos que o espermatóforo sozinho é capaz de se ancorar no corpo da fêmea, perfurar o tecido e se aderir a ele por meio da liberação de substâncias adesivas. Todo esse processo é autônomo, ou seja, realizado pelo próprio espermatóforo, e extracorpóreo”, explicou.
O espermatóforo tem três componentes principais, cada um deles com uma função diferente. “Além da massa espermática, que contém os espermatozoides, há o aparato ejaculatório, responsável pela ancoragem no corpo da fêmea e pela escarificação do tecido. Há ainda o corpo cimentante, estrutura que libera as substâncias adesivas”, disse Marian.
No artigo publicado no Journal of Morphology, Marian descreve em detalhes a chamada reação espermatofórica – processo durante o qual o aparato ejaculatório é projetado e a massa espermática e o corpo cimentante são liberados.
O tempo de duração desse fenômeno varia de acordo com a espécie. No caso das lulas estudadas, gira em torno de 30 segundos. “Mas, no caso do polvo gigante do Pacífico, cujo espermatóforo pode atingir um metro de comprimento, pode chegar a uma hora”, contou.
Para entender melhor cada etapa do processo, Marian, com auxílio de colegas do Centro de Biologia Marinha da USP, removeu os espermatóforos das lulas, engatilhou a reação espermatofórica vitro e observou o fenômeno sob as lentes do microscópio.
“O espermatóforo é uma cápsula alongada com cerca de um centímetro no caso da maioria das lulas. Em um dos ápices há um filamento. Quando esse filamento é tensionado, tem início a reação espermatofórica”, disse.
A pesquisa também deu origem a outras publicações. No periódico Acta Zoologica foi descrita uma análise morfológica detalhada do espermatóforo.
A constatação de que os espermatóforos tinham capacidade de perfurar o tecido das fêmeas rendeu um artigo no Journal of Molluscan Studies. Já na revista Papéis Avulsos de Zoologia foi publicado um outro artigo de revisão sobre o tema.
“Com base nas evidências que conseguimos reunir, desenvolvemos um modelo teórico para explicar o processo de implante de espermatóforos, fenômeno que permaneceu obscuro durante muito tempo”, contou Marian. Esse modelo foi divulgado em artigo no Biological Journal of the Linnean Society.
“Esses animais estão sempre nadando por meio de jato-propulsão e há muita turbulência na superfície de seus corpos. Isso, em teoria, dificulta a deposição de espermatóforos. O sistema de fixação por implante observado nos cefalópodes é eficiente a ponto de suportar a resistência imposta pelo modo de vida desses animais”, disse Marian.
Além do financiamento da FAPESP, o projeto contou com apoio do Programa de Apoio à Pós-Graduação (Proap) da Capes, da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da USP, da American Malacological Society e da Houston Conchology Society. A pesquisa recebeu quatro prêmios oferecidos por sociedades de malacologia – ramo da biologia que estuda os moluscos: American Malacological Society, Houston Conchology Society, Unitas Malacologica e Sociedade Brasileira de Malacologia.
Fonte: Agência FAPESP
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