As 171 localidades avaliadas tiveram média 6. O Brasil ficou pouco à frente, com a 35ª melhor nota: 6,2
Se a preservação do ambiente marinho fosse uma disciplina, e cada país fosse um aluno, boa parte do planeta estaria “pendurada” no fim do ano. O maior levantamento sobre a saúde dos oceanos, divulgado esta semana na revista “Nature”, mostra que o mundo trata muito mal suas zonas costeiras — das quais, aliás, é cada vez mais dependente, considerando o aumento da população e a necessidade de obter alimentos e empregos, em atividades que vão do turismo à pesca. As 171 localidades avaliadas tiveram média 6. O Brasil ficou pouco à frente, com a 35ª melhor nota: 6,2.
Entre os cinco melhores alunos da turma global há três ilhas desertas no Pacífico, um arquipélago africano de 85 mil habitantes (as Ilhas Seychelles) e a Alemanha. O ecletismo do grupo chamou a atenção dos pesquisadores da Conservação Internacional, entidade à frente do levantamento, e certamente é muito maior do que o visto na outra ponta da tabela. Aqueles que menos lutam por um oceano saudável compartilham um baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e estão localizados na África Ocidental: Serra Leoa, Libéria, Gana e Guiné-Bissau.
Características biológicas e uso humano
A equipe responsável pelo Índice de Saúde do Oceano (OHI, em inglês) reconhece: há centenas de métodos possíveis para medir a qualidade das águas. Mas alguns dos dez critérios escolhidos, como provisão de alimentos, oportunidades de pesca artesanal e identidade local, trazem uma inovação à literatura acadêmica. Além de levarem em conta as características biológicas, procuram entender como estes índices são aproveitados para o uso humano.
Considerando o ritmo de crescimento da população global, a novidade trazida pela pesquisa faz sentido. Mais de 40% dos habitantes do planeta vivem ao longo da costa. Até 2050, os 7 bilhões que povoam a Terra terão se transformado em 9 bilhões, aumentando a dependência dos oceanos para alimentação, recreação e sustento.
Estes números, no entanto, ainda não direcionaram tomadores de decisão e boa parte da iniciativa privada a adotar práticas sustentáveis dentro das águas. Aproximadamente 84% das reservas marinhas monitoradas estão completamente exploradas ou já esgotadas, o que pode comprometer, nas próximas décadas, a capacidade das frotas pesqueiras.
— Reconhecemos que o OHI é um pouco audacioso — revelou o autor-líder do trabalho publicado na “Nature”, Ben Halpern. — Com tomadores de decisões políticas e gerentes sem tempo a perder e precisando de ferramentas para medir efetivamente a saúde dos oceanos, sentimos que seria necessário.
Ao GLOBO, Halpern reconheceu sua surpresa ao ver a Alemanha e as Ilhas Seychelles compartilhando as primeiras colocações com ilhas inabitadas. E destacou o apreço a uma categoria particularmente polêmica: identidade local. Este critério corresponde à identificação da cultura popular com espécies da região e à criação de áreas de preservação ambiental.
— Pode parecer um índice subjetivo, mas a realidade é que as pessoas formam suas opiniões sempre com base em valores pessoais — ressaltou. — O mesmo ocorre com a saúde dos oceanos. Fizemos um esforço para tornar transparente e dar uma forma quantitativa a estes julgamentos, que normalmente são ocultos pelo público e muito difíceis de descrever.
Rússia e Japão entre os melhores do ranking
Halpern também lembrou que, entre os Brics, o Brasil está em uma posição confortável — bem à frente da China (5,3), Índia (5,2) e África do Sul (5,2) —, mas atrás da Rússia (6,7).
O sucesso do país de Vladimir Putin, aliás, é outro dos pontos controversos da lista. Além dele, também figuram Canadá, Japão e Noruega. Os dois últimos lideraram uma frente que, no mês passado, vetou a criação de um santuário para baleias no Atlântico Sul. Já Rússia e Canadá são acusados por ambientalistas de se aventurarem por rotas no Ártico que estão derretendo com as mudanças climáticas, mirando, também, a exploração de petróleo da região.
— O OHI busca uma avaliação mais integrada de diversos benefícios, e não tem apenas as ameaças como foco — analisou a brasileira Cristiane Elfes, coautora do estudo e pesquisadora da Universidade da Califórnia-Santa Bárbara. — A caça às baleias não entrou como ameaça global por ser, entre problemas como sobrepesca e destruição de habitats costeiros, uma questão de proporções bem menores.
Para Cristiane, seria “mais interessante” se o Brasil restringisse a comparação a seu próprio desempenho — que, em diversos critérios, deixa a desejar. Em provisão de alimentos, por exemplo, o país tem uma nota acima da média global (3,6 x 2,4), mas, ainda assim, muito baixa. Trata-se de um resultado da ampla gama de espécies que sofre com a sobrepesca.
O país usa pouco seu amplo litoral para coleta de produtos naturais — como peixes ornamentais, algas marinhas, conchas e esponjas — e, principalmente, para o turismo. Setores ligados à exploração do mar perderam empregos, salários e renda nos últimos cinco anos. Mas o turismo é o pior de todos. Nesta categoria, zeramos.
— É um resultado da grande presença de atividades informais na praia; da falta de dados melhores sobre o turismo costeiro sustentável; e, também, do pouco incentivo para ele — lamentou Guilherme Dutra, diretor do Programa Marinho da Conservação Internacional no Brasil. — O visitante internacional prefere ir ao Caribe do que a Abrolhos, porque encontra lá fora uma melhor estrutura a seu dispor.
Os pontos positivos, segundo Dutra, devem ser creditados a manguezais e áreas de preservação ambiental, que fizeram o Brasil sair bem na foto em categorias como armazenamento de carbono, identidade local e proteção costeira.
— E este sucesso é obtido mesmo com o país tendo apenas 1,5% de sua zona econômica exclusiva (aquela a até 200 milhas da costa) em alguma unidade de conservação. É um valor baixo, principalmente se lembrarmos que 17% dos biomas terrestres têm alguma proteção — assinalou Dutra.
Fonte: O GLOBO
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