sexta-feira, 8 de abril de 2011

Maricultura como alternativa sustentável




Icapuí. Fazendas no meio do mar. É assim que Estado e União começam a pensar estratégias de desenvolvimento dos segmentos populacionais que vivem dos recursos naturais oferecidos pelo mar. Deverá haver participação direta do poder público em projetos de geração de renda na pesca e no cultivo de algas no mar antes só realizados pela própria comunidade, de forma acanhada e desamparada. O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) está trazendo para o litoral do Ceará e do Rio Grande do Norte o Projeto Maricultura, de cultivo de algas, ostras e peixes em tanques-redes no meio do mar. Os povos do mar no Município de Icapuí, no Ceará, já começam a ser consultados sobre os Planos Locais de Desenvolvimento da Maricultura (PLDM).

O Ministério da Pesca e Aquicultura pretende potencializar o uso de áreas pertencentes à União e já mapeadas. Quer dispor dos espaços para que os moradores do litoral, notadamente pescadores, produzam as culturas de que se sustentam (peixes, algas e mariscos), ao passo em que o façam de forma juridicamente correta. É um estímulo à economia sustentável por meio da produção artesanal em uma área, a exemplo de Icapuí, que sofre com a degradação e o manejo predatório.

A primeira audiência ocorreu no dia 21 de março na Praia de Redonda, em Icapuí. Foi uma consulta pública com pescadores artesanais, marisqueiras, beneficiadores de algas e lideranças políticas. Também estiveram presentes o secretário Estadual da Pesca, Flávio Bezerra, o deputado estadual Dedé Teixeira e vereadores de Icapuí.

A intenção é que sendo definida a área da zona costeira, tenham início as atividades, em que antes o Governo do Estado tenha auxiliado nos trâmites de concessão do licenciamento ambiental e, posteriormente, na capacitação dos produtores nos manejos. Técnicos do MPA avaliaram trechos da zona costeira propícios às atividades da maricultura. Devem ser instalados parques aquíferos, uns para cultivo de algas e outros para a criação de peixes. O impasse fica por conta da localização desses parques, tendo em vista a relação litigiosa entre segmentos de pescadores artesanais e os que praticam a pesca predatória (com marambaia e mergulho com compressor de ar).

Localização

Também já existiram os primeiros impasses quanto à localização dos parques aquíferos de algas e os de peixe, este último mais distante do continente. A participação dos Municípios da zona costeira no Plano de Desenvolvimento da Maricultura vai depender do potencial de cada um para pesca, cultivo de algas e mariscagem. Mas são os próprios pescadores que cobram do Ministério da Pesca e Aquicultura sobre o tratamento dado aos produtores: igualdade.

A maricultura é colocada nesses Municípios da zona costeira como alternativa socioambiental e economicamente sustentável: criação de oportunidades de negócios e geração de emprego e renda inclusive para jovens, muitos dos quais não incorporam a mesma cultura pescadora de seus pais e avós, acostumados a desbravarem o alto mar à procura de peixes e lagostas. O beneficiamento de algas é outro segmento incluído na maricultura. Em Icapuí, grupos de mulheres processam algas marinhas e geram de resultado produtos como alimentos, cosméticos e produtos de limpeza.

A técnica do cultivo em mar aberto, estimulada pela maricultura, já é tendência em vários países que potencializam os recursos marinhos, como Estados Unidos e Austrália. No Brasil, já existem exemplos de maricultura em "fazendas" no mar de Pernambuco. Outras reuniões de criação do Plano de Desenvolvimento da Maricultura devem ocorrer nas comunidades costeiras do Ceará.

No Brasil, o MPA identificou 174 territórios onde estão presentes 89,8% dos pescadores e pescadoras cadastrados no Registro Geral de Pescadores (RGP); 80% das áreas de alta incidência da prática de aquicultura continental; 100% das áreas com potencial para atividades de maricultura; e 85% dos reservatórios com potencial para a Aquicultura. Dos 174 territórios de pesca e Aquicultura no Brasil, pelo menos 31 estão situados no Ceará.

Cultivo é nova forma de produção

Maricultura é o cultivo de animais e plantas marinhas. É uma nova forma de produção no Brasil, apontada como alternativa às já desgastadas reservas litorâneas e que é colocada como estratégia de sobrevivência para as comunidades dos povos do mar. Levantamento do Instituto Terramar, no ano de 2002, já apontava para a relação de 18 Municípios cearenses com 58 praias com ocorrência de algas, o que pode indicar a presença de grandes bancos naturais. Dessa forma, 90% do litoral do Estado do Ceará é produtor de algas.

As algas marinhas têm grande valor de mercado. O Brasil é alvo de grandes multinacionais da área de cosméticos, que compram o produto ´in natura´. Além disso, pequenos projetos já desenvolvidos por grupos catadores de algas já revelam o potencial econômico e social da atividade.

É o caso do movimento Mulheres de Corpo e Alga, em Icapuí, já retratado em matéria do Caderno Regional. As mulheres produzem alimentos e cosméticos a partir das algas encontradas na beira do mar. A produção abastece o mercado europeu e, na comunidade, alimenta as crianças de creches e escolas, com as algas servindo de base para produção de gelatina e mousse para a merenda escolar. As algas estão gerando emprego, renda e viraram ferramenta de combate a desnutrição. Isso tudo é feito com produção em pequena escala, que pode ser potencializada no manejo da maricultura.

Os números econômicos tendem a melhorar no Ceará na medida em que a aquicultura (produção em cativeiro de espécies aquáticas) tende a crescer e já representa metade do pescado no Ceará. Somando a isso, a maricultura (mais ampla porque inclui as algas) deve aumentar a participação do Estado na produção do País - o Ceará responde por 7% da produção nacional de pescado.

Ostras

Peixe e algas à parte, é também de ostras que sobrevivem comunidades litorâneas. A ostreicultura é atividade ambientalmente sustentável. Pela própria relação de interdependência de fauna e flora, essa atividade estimula a preocupação com o ecossistema manguezal. A degradação deste resulta no desaparecimento daquele. Fortim, no Litoral Leste, e Amontada, Trairi e Camocim, a Oeste, são municípios em que os povos do mar lutam pela manutenção da ostreicultura. A maricultura também deve afetar diretamente na cultura de pesca. Isso porque muitos grupos de pescadores ainda realizam práticas que, além de degradantes, podem comprometer diretamente as fazendas marinhas. É o caso da pesca de arrasto, atraída pela fartura de peixes no entorno das fazendas marinhas, que podem ter suas redes danificadas.

Como é natural em todo projeto que se propõe desenvolvimento em macro escala, a preocupação dos povos do mar, diante do plano de manejo da maricultura é uma só: que sejam eles os principais beneficiados. Isso em detrimento dos possíveis médios e grandes produtores que queiram se possuir lotes das fazendas marinhas.

Para Maurício Valente, integrante da Associação Monsenhor Diomedes, que reúne os moradores da Praia de Redonda, no Município de Icapuí, só haverá sentido no projeto se a partição de investimentos for justa para os ´pequenos´.

Fonte: Melquíades Júnior / Diário do Nordeste

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