segunda-feira, 9 de maio de 2011

Chile: Conflito entre a Pesca e Indústria de Celulose


Pescadores artesanais e comunidades indígenas levaram à justiça internacional 15 anos de conflito com a empresa Celulose Arauco & Constitución (Celco), que acusam de querer despejar resíduos tóxicos, e o Estado chileno por suposta violação de direitos humanos.

A fábrica de celulose Valdivia, propriedade da Celco, está a 500 metros da margem sul do Rio Cruces, na Região dos Rios, águas acima do Santuário da Natureza Carlos Anwandter e a 40 quilômetros da Baía de Maiquillahue, ou Mehuín, lar de comunidades que vivem dos recursos do Oceano Pacífico.

A empresa quer construir uma tubulação de 36,9 quilômetros desde a fábrica até Mehuín, com um emissário submarino de 2.075 metros de comprimento que descarregaria, por meio de difusores, os resíduos da celulose no mar, a 18 metros de profundidade. A Baía de Mehuín, a sudoeste da capital, é habitada por pescadores artesanais e mapuches lafkenches (“gente da costa”) que, desde 1996, se opõem à intenção da companhia.

Em 2004, a empresa tentou lançar seus resíduos no Rio Cruces, mas, após uma generalizada mortandade de cisnes de pescoço negro no Santuário, dois anos mais tarde retomou a ideia inicial do duto para o Pacífico. A Valdivia produz 550 mil toneladas anuais de celulose de exportação. Em março, o caudal variável do Rio Cruces a obrigou a suspender os trabalhos, quando chegou abaixo dos cinco metros cúbicos por segundo, limite mínimo estabelecido pelas autoridades para a produção de celulose, que consome muita água.

O Chile fornece 6% das 48 milhões de toneladas de celulose para papel comercializadas a cada ano no mundo. As vendas chegaram, no ano passado, a US$ 1,79 bilhão. O setor florestal responde por 3,1% do produto interno bruto. A população afetada pelo duto – autorizado em 24 de fevereiro de 2010 pela Comissão Regional de Meio Ambiente (Corema) e cuja construção demoraria dois anos – é composta de 20 comunidades lafkenches e pescadores artesanais de Mehuín, Cheuque, La Barra e Mississippi. Também há 20 comunidades indígenas situadas mais ao sul e organizações sindicais cm quase mil pescadores associados que também podem sofrer em áreas vizinhas.

“Aqui há vítimas, comunidades indígenas que têm seus espaços cerimoniais violados”, como um cemitério indígena que seria cortado pelo traçado do duto, disse à IPS o porta-voz do Comitê de Defesa do Mar, Eliab Viguera. O Comitê interpôs na justiça recursos contra a autorização da Corema e reclamou a defesa da integridade e da vida dos pescadores lafkenches e o direito de pertinência costeira desses povos indígenas, estabelecido por lei. Mas o pedido foi rejeitado no Supremo Tribunal de Justiça.

“O estado de violência exercido em Mehuín foi brutal, muitas pessoas foram vítimas das máfias, pagas pela Celulose Arauco, que perseguiram todos os defensores do mar, não importando se fossem idosos ou crianças”, acrescentou Viguera. O dirigente assegura que nos últimos anos sofrem desde ameaças de morte até ofertas em dinheiro para desistirem da luta.

“Repassaram dinheiro para assinar um convênio de colaboração, depois fizeram um pagamento para apoiar os estudos técnicos que a empresa precisava para gerar o estudo de impacto ambiental, em seguida foi feito outro pagamento quando foi dada a permissão ambiental e, supostamente, farão novo pagamento quando o duto estiver construído”, disse o coordenador do programa Cidadania e Intercultura do não governamental Observatório Cidadão, José Araya. Contudo, a tentativa de desarticular o movimento conseguiu somente a vontade de um punhado de pescadores de Mehuín, disseram as fontes.

Esgotadas as instâncias internas, o Comitê apresentou uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), solicitando medidas cautelares urgentes e a paralisação de qualquer trabalho ligado à construção do duto. “O Estado deve responder pelas vulnerabilidades aqui exercidas”, disse Viguera.

Araya destacou que um dos pontos da denúncia se refere aos direitos das comunidades nativas, que não foram ouvidas sobre uma obra a ser feita em seu território, como estabelece o Convênio 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho, que entrou em vigor no Chile em 15 de setembro de 2009. O duto foi aprovado quatro meses depois e, embora o Estado tivesse um ano para adequar leis e normas internas ao Convênio, não avançou muito neste aspecto.

O processo junto à CIDH enfatiza o “direito ao território, porque estamos falando de mapuches e porque não foi respeitado o Convênio 169; e no direito à vida, pois os efeitos ambientais são prejudiciais para comunidades que vivem da pesca e de atividades recreativas ligadas ao mar”, disse Araya à IPS. A IPS consultou a Direção de Direitos Humanos da chancelaria chilena, que deve representar o Estado perante a CIDH, mas esta não quis fazer declarações.

A Celco, que possui cinco fábricas de celulose no Chile e outra na Argentina, tem antecedentes de contaminação. Várias vezes teve de suspender a operação em Valdivia por ordem judicial, entre outras razões por trabalhar além do limite de produção. A descarga de dejetos no Rio Cruces – suposta causa da morte dos cisnes – foi comprovada por peritos judiciais que apresentaram seus relatórios no final de março, dentro de um processo civil contra a Celulose Arauco por dano ambiental, iniciado pelo Conselho de Defesa do Estado.

Estes resultados “são bastante concludentes. A empresa tem responsabilidade na contaminação, ultrapassou os limites e ocultou informação à autoridade pública”, disse Araya. Nesse contexto, causou escândalo que o único canal público de TV no país, Televisión Nacional de Chile, divulgasse, no dia 2 de abril, uma reportagem favorável à empresa. O Conselho Nacional de Televisão, a Associação de Documentaristas do Chile e o Conselho de Defesa do Estado condenaram o tratamento jornalístico do trabalho, que não mostrava equilíbrio entre as partes. Pouco depois, a empresa reconheceu que havia contratado o diretor Sergio Nuño para elaboração de um documentário que apresentou no julgamento que ocorre no Conselho de Defesa do Estado.

Enquanto os pescadores aguardam que a CIDH acolha sua demanda, especulam que a Celco não pode iniciar a construção do duto porque a permissão ambiental que possui não permite que ingresse no mar. Para isto, deve solicitar autorizações marítimas. Apesar da insistência da IPS, a Celco não quis comentar estes fatos.

Fonte: IPS

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